Fêmea
"...Quando cedo sou possuída.
Quando me perco, encontro-me em minhas entranhas.
Ardente, indecente, fora de mim.
Fora do eixo, quando me deixo.
Ao mesmo tempo que tranquila sou maremoto.
Oceano profundo com olhos rasos de saudade.
Boca ressequida de desejo.
Sou céu, sou terra, sou fogo.
Te devoro mesmo quando me decifras.
Envolvo-te em minhas coxas e só te liberto quando a manhã vem secar meu orvalhar.
Sou minha verdade nua e crua na cama, na lama, na grama, no quarto, no curral.
Sou ventania, brisa, quando descanso em seus braços.
Sou vendaval!
Carne tremula em suas ousadas mãos.
Pleno gozo, sou a obscena palavra em sua língua, quando sussurras em meus ouvidos.
Sou desabrochada flor quando me penetras.
Sou cio e esteio.
Devaneio, tempestade, calmaria.
Tudo que quiser.
Torto anjo, Deusa.
Sou Mulher.
Tomada por mim mesmo quando desejo.
A recatada, a vadia.
Tudo aos olhos de quem me julga, mas na verdade queria ser tudo que sou e mais um pouco.
Sou seu grito rouco em pleno êxtase.
A boêmia, a que se perde nas noites e se acha na escuridão dos hipócritas.
A que perdoa, que lhe joga na sarjeta e pode te erguer ao palácio.
Fecunda, sou ventre, a natureza materializada em mãe.
Sou verão quando me apaixono e outono quando estou amando.
Melancolia, agonia, sou lua despida de pudores.
Sou amante e tenho muitos amores..."
("Fêmea", Carlos Ventura)