DE ALCOVA, A OUSADIA – A poética do desejo, na contemporaneidade
Possesso pela compulsão na conivência poética sou um condenado à farsa da felicidade.
De cada um segundo seus desígnios, a cada um segundo o seu prazer e gozo. Estar no mundo é arriscar-se.
Ah, amada! Nada como estar assim, furtiva sombra entre sorrisos. O amor escoando vinho entre engomados lençóis.
De há muito, soluço de sono, o mar roçando a língua na praia. Vontade de dormir com ela no movimento da noite.
Monto o destino num cata-vento de açúcares. Espero a chave de teus pudores. A carruagem tem cavalos alados.
O amar, uma escova tímida de enigmas. Azul, o amanhã sob um novo céu. O vale, úmido. Começávamos a escrever memórias.
Penetra-me, sussurra a alcova. Arde a lareira na pele. Cospe, cospe mais, prenhez de braços. Labaredas dançam. Bocas são pontas de aço.
A amada constrói-se com um pouco de sal e chuva. O corpo é um barco que perdeu a vela e o rumo. Tormentas.
Corpo: jungido jogado, pluma de desejo. Peito pulsante, ritual ofegante. Cerveja, suor. Justo gemido. Nada ajustado no jeito de amar.
Virgem. Sussurro de pardais quando a tarde morre. O ardil do estranho tange o ninho. Âncora dos sonhos de futuro.
Selvagens ginetes adejam no jogo da vida. Minúsculo leito de sombras e cortinas. Surdas revelações ao olfato.
Desejei copular a felicidade, cochicha o assombro. Estranhezas. Insólita costura no vazio das esperas. Esferas. Dói o calo de viver.
Coração de desejos. Chegarei com fome. Confesso, sou antropofágico. Algum mal em ser carne e mesa?
A paixão confidencia. Canto sua fala. Amanhece a quietude do dia – que é este o único festim.
Prefiro morrer quando ela vem. Salvados do devir. Venha o que vier. O Absoluto a me amparar no que sou de criatura. Transcende.
O que seria de nós sem essa centelha. Neurônios. Ah, o corpo e seus insondáveis mistérios!
A Poesia é o lenho do coito não concedido. Abre-me o chacra em conchavo e me concede, ó dama irrevelada!
Espelho rijo à falta de. Condoído. Atinjo o ápice e aplaco a dor do-ente. Esganado, só como o que gosto. Fujo do incidente.
Dói o que em mim não pensa. Nem a poética sustenta. Abraça-a, no silêncio.
Chegaste a tempo. A ausência ansiava entranhamentos. O pouso da lascívia. Vórtice entre coxas.
Quem ama, mesmo sem saber, tem na alma as vozes da ventania. O desejo.
O que fazer da Poesia gasosa que nasce prematura ao gozoso gesto?
Liberte-se a vontade e os riscos do querer. Só os fracos fogem deles. Fragilizam-se.
Zunem abelhas e arde o recluso território que não pensa. A rainha pica a memória da epiderme, em alcova.
– Do livro inédito POESIA DE ALCOVA, 2017/19.
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