AUTÓFAGA

AUTÓFAGA

(sextina: fome, carne, pele, mente, toque, mesma)

Das entranhas lhe vem estranha fome

Que lhe consome toda a sua carne.

Frêmitos de sentir-se à flor da pele

Lhe agitam os desvãos da vaga mente

Ao perceber-se entregue ao próprio toque,

N'uma exploração húmida em si mesma.

Os dedos que percorrem a alma mesma

Têm no êxtase o saciar d'aquela fome

Certa de que, no corpo, o ser se toque.

Assim, a aura que envolve a nua carne

Revele-lhe os recônditos da mente

Em seu dedilhar de harpas pela pele.

Exsude todo o ser por sobre a pele

E, entorpecida, saía de si mesma

No alheamento de quanto tinha em mente.

Autófaga, de si sentia fome...

Era o saciar da carne pela carne

Ao s'entreter consigo em suave toque.

Das entranhas se vê estranha ao toque

Que lhe provoque ardor em toda a pele

E lhe revele a si apenas carne...

Não obstante, perceba-se ela mesma

Como fome de si a sua fome

A ponto de absorver de todo a mente.

Incerta se de pele ou se de mente

Sua explosão de si àquele toque;

D'ela trazer consigo tanta fome.

Incerta se de mente ou se de pele,

Resta-lhe conhecer-se ora a si mesma

No afã de se sentir na própria carne!...

Entenda-se na fome em sua carne,

-- O que for: seja pele; seja mente --

Ser ela toda ao toque d'ela mesma.

Betim - 13 04 2018