ODE MELANCÓLICA

ODE MELANCÓLICA

I

Não fosse o teu olhar

Me abrir d’alma as janelas,

Apenas bastaria eu me calar

E nada saberiam das procelas

Que têm há muito tempo me aturdido.

Sem qu’eu possa, porém,

Buscar mais nada além

[ do próprio olvido.

II

Assim, a merencória

Feição dos olhos meus

Expõe demais a minha dor inglória

À penetrante luz dos olhos teus.

Pois entre olhos se vê, mal comparando,

Estrelas a orbitar,

Podendo se alinhar

[ de quando em quando.

III

Falaz luz dos felizes

Ou estranho afã d’um triste?...

Enquanto se cutuca as cicatrizes,

Não fecha suas feridas quem insiste!

Quando eu me for, não chores.

Não. Nem sempre essa vida

Nos vale ser vivida

[ em meio a dores.

IV

Por isso, ergue-te a taça

E bebe do teu vinho!

Embriaguemo-nos, pois, a vida passa

E mais suave a tua pele ao meu carinho...

Alegra-te apesar d’essa tristeza

Que turva meu semblante.

E traz-me ao peito amante

[ outra beleza.

V

Mas curta a vida curta

Quem d’ela tem à farta!

Se hoje cheira bem rama de murta.

Amanhã, igual palha se reparta...

A mão que ora te toca tão quente

Não mais será um dia...

Pousada ao peito, fria

[ e inutilmente.

VI

Entende que essa idade

Na qual tenros os frutos

Passa e leva consigo, na verdade,

Uma época de riso e olhos enxutos,

Que contrasta com outra mais futura.

Uma época onde então

Partido o coração,

[ se desfigura...

VII

Escuta, minha linda

Os versos do infeliz.

Percebe quanto ardor contêm ainda

E não só como insólitos ardis

A bem te seduzir com más urgências.

Talvez seja um mistério

Quedar já sob o império

[ de aparências.

VIII

O triste é um realista,

Que sonha realidades.

E não importa o quanto ele resista,

Tão-só lhe restarão suas saudades...

Alguns chamarão isso pessimismo

Mas outros, lucidez.

Vivendo sem talvez,

[ e sem cinismo.

IX

Tampouco evita a treva

Aquele que a conhece.

Já sabe a escuridão aonde leva

E nada teme quando se entristece.

Ao contrário, compreende até melhor

Os factos e as razões

De tantos corações

[ tontos d’amor.

X

Sorri, tu que tão bela

M’escutas estes ais.

Sorri, porque a tristeza te revela

A verdadeira dor de amar demais.

E, sorrindo, percebes meu pranto

Enfim, revelação.

Que só na escuridão,

[ alumbra tanto.

XI

Decerto alguma dor

Também o teu sorriso

Se oculta entre o prazer e o dissabor.

De tentar viver como é preciso

Ou ouviste que mais bela nos seduz

A moça que sorri,

Senhora já de si,

[ de encontro à luz.

XII

Embora fale pouco,

Sorrio ainda menos.

Não cuido se casmurro, arisco ou louco

Por ter tantos em conta de somenos...

Sem embargo, apesar de tão sisudo,

Às vezes eu me alegro

De pôr meu olhar negro

[ além de tudo.

XIII

O facto é que sorrindo

Soubeste me entender:

Faz do mundo um lugar sempre mais lindo

Quem alegrias e dores envolver

N’um sorriso mais denso de poesia

Já não porque feliz

Mas sim, porque se quis

[ melancolia.

Betim – 27 09 2016