Que mulher, meu Deus!
De repente, num flutuante instante de existência, me deparei com o nada e me assustei. O nada traz um que de só, um que de triste, que se não for bem digerido, pode fazer mal para a saúde mais do que uma gripe mal curada. O nada, que me causou tanto espanto na hora derradeira, estava atado ao seu olhar felino, a sua existência dúbia, a seu silêncio solene e inabalável. Sua boca entreabriu num sussurro de morte, quase inaudível. Foi “A última vez que vi Paris”, a última vez que entrei em contato com seu olhar enclausurado de suspense. Que mulher, meu Deus! Como conseguir resistir à perspectiva do seu corpo delgado e da sua pele ultravioleta? Só os anjos sabem só eles viram. Estive por um tempo encantado pela sua voz, flutuando nas suas cordas vocais, mergulhado na brecha salivar da sua boca beijável. Quase a beijei, confesso. Só não o fiz, não sei se por medo, não sei se por comportamento, mas não o fiz. Segurei o ímpeto entre os dentes, controlei o horror entre as pernas e agarrei-me a esperança do não rubor. Não evitei a tragédia do riso sem graça, acabei entregando meu estado de graça, o que lhe arrancou um suspiro e, por certo, muita pena. Coloquei meus dedos na mesa, batendo-os compassados, quase próximos aos seus. Suas unhas vermelhas roçaram minha pele branca, num contraste sideral. Digo-lhe, tive mil orgasmos luz naquele instante. Que mulher, meu Deus! Era a única expressão que conseguiu arrancar de mim, pois de resto, só me restou a palavra solta. Fiquei com medo de existir no mesmo instante que você, tive vergonha de estar invadindo seu espaço. Que mulher, meu Deus, que mulher!