Retrato em amarelo e vermelho
Ouça, morena, me dê mais uma chance, relembra o que fomos,
O que somos, um pouco mais que amantes
Vê se não desprezas, não quero soar piegas,
Mas esse parece ser meu último solfejo, um gracejo,
Quem sabe um ensejo de um grande amor
Fui por ti ludibriado a construir um castelo, morena dos olhos d'água,
Tem pena, demoliste tudo que construímos, tão nosso, ouve ao menos meu lamento
Apossei-me de uma esperança, crassa,
Espelhei-me em teus olhos agateados, desgraça
Hoje coração que fraco lateja, ainda dilaceras,
Penso nos dias se esvaindo, se desfazendo
E minha fortaleza interior se esmaecendo
Escancarei-me para você, megera, negas minha última oferta,
Pudera, tão nova, tão resolvida, sois tão bela
Abro-me como cravo, fazes de conta que não me vê,
Crio espinhos, te rebato, sou refratário quando não quero ser
Minha alma canta, solitária, Guanabara, abre teus braços,
Cristo Redentor me acanha, medo da imensidão, já sou marujo vivido,
Que parte do coração perdeu, anda por aí corroído,
Escravo de teu, somente teu, ingrato coração
Pergunto-me, às vezes como consegues, reflito, paro,
Penso de novo, não sei de onde vem essa força venérea,
É fácil demais se perder em teus cachos,
Tua tez irrefutável, de um matiz inconfundível
Difícil demais me lembrar de teus beijos, teus abraços,
Teu toque ainda me faz arrepiar,
E eu diário aberto só espero o momento
Daquele que me escreveu de novo me tocar,
Reler e quem sabe voltar a riscar em minhas páginas,
Nossas páginas um amor sem rancor para recordar
És mulher dura, me rebates com uma frieza polar,
E eu como louco que sou me reviro, sou Lampião,
Faço-me de lenha a fogão o mais ardido
Tentando me queimar em tuas geleiras, faceiras, traiçoeiras
Fiquei com o pensamento de que tudo entre nós foi momento,
Não parece, pergunto a meu corpo que não esquece,
Já fomos árcades de uvas provadas no rebanho,
Fomos barrocos de nos odiar e amar num só momento,
Passamos pelo surrealismo louco de não nos desejar por um instante,
Fomos formas geométricas que conectadas numa só imagem, cubistas de passagem
Já pensasses em ser donzela, e eu para entrar no clima, Dom Quixote
Cantei trovas ao som da noite preocupado em te ninar
Ai, quanto tempo passamos juntos, Morena!
Podes até não me lembrar, a visão vai me esvaindo,
Já vejo pás freneticamente a cavar,
Vejo parentes mais velhos, minha mãe, o penar
Sou cova morta, dura, fria e porca,
Retrato fiel de um expressionista tentando amar
Gabriel Amorim 09/07/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/