Feitiço
No mar de teus olhos
Vi naufrágios.
Vi agonias líquidas escorrendo
por sua face cristalizada.
Não eram lágrimas
Era rendição.
No mar de teus olhos
Vi ondas sentimentais lamberem a areia
À procura de tortura e lucidez
Mas eu queria sonhar.
Apenas sonhar.
Sonhar em devaneios múltiplos
Ter mil corpos e visitar muitos umbrais.
E, em cada espírito colher a flor mais cálida.
E em cada recanto recolher o flash mais nítido
Ter no outono a sinceridade das folhas mortas.
Ter no inverno a sobriedade das frias tardes.
Ter no verão a eloquência dos hormônios
Inexatos e exaustos.
Ter na primavera o súbito odor das flores
desabrochando secretamente
para o orvalho.
E ver borboletas flanando em cores e pólens
A maldosamente multiplicar a vida e forma
Numa lógica casuística e caótica.
No mar de teus olhos
Eu me via.
Reticente e
sem me entender
o paradoxo óbvio daquele dia.
No espelho de tua alma.
Eu me via por teus olhos
Vestia a tua poesia
Feito luva e armadura.
Vestia a tua existência.
E como cenário eu me perdia
Perdia minha humanidade.
Só me restava então...
Ser o objeto de amor.
Mirado, flechado e extasiado
Por simples mas absoluta presença.