SEM RIMA 275.- ... carne agressora ...

O poeta galego Guerra da Cal, saudoso,

num poema do seu "Deus Tempo Morte Amor

e outras bagatelas", diz esplêndido:

"A Carne / agressora e briosa / a si própria

"com fúria se devora / nesse canibalismo

amanticida / fortuito e fulgurante",

fico aqui, embora o esplendor continue.

Desde a cimeira profunda, abismal

dos meus anos velhos, quase "cathedra

celeste", declaro o desnecessário dogma

- repetido, sabido e esquecido -

da Carne contraditória, brio no desejo

concupiscente, múmia na polpa dos músculos.

É tão rijo o anseio que mesmo cai na deslembrança

da impotência febril... Busca esforçado o que achar

apenas pode na miragem da própria volúpia:

corpos perfeitos, fora e ré-imaginados;

seios sedutores, fora ou só crua fantasia;

doçuras intensas de êxtases angelicais...

apenas assim, angelicais diabolicamente

ou libidinoso ramalhar de réplicas magras,

e nebulosas de contentamentos tristes.

Com certeza, mais do que nas idades do vigor brioso

é na velhice que a carne "com fúria se devora",

se transmudando em amanticida múmia:

"c'est la vie", maravilhas do viver...