CONSOLO / FILHO DO GELO / NUDEZ / GOTÍCULAS
CONSOLO I (2009)
Apenas me observo, na ironia
de quem tão facilmente descrevia
todo momento triste e de alegria
e que hoje se esforça e não faz nada.
Calor rasga de mim toda a poesia.
É o corpo que se impõe, matéria fria,
mas calcinada. Da atmosfera espia,
por entre as nuvens, a lua acabrunhada.
E eu nem sequer recordo do que seja
um tal amor, qual já descrevi tanto
e que não passa de água de barrela,
quando calor se impõe, ainda que esteja
entranhado nas gotas de meu pranto,
secado agora no ardor que me cancela.
CONSOLO II
Dionyso se foi. Não bebo vinho
na canícula feroz. E a embriaguez
que em versos explodia, já se fez
em sobriedade, qual urtiga sem carinho.
Os versos não são mais que desalinho,
sem elegância, faltos de altivez,
versos da mente e não dos narguilês,
versos deixados à beira do caminho.
E nem quero escrever, porém mais nada
consigo realizar nesta pressão:
o ar se esmaga de encontro a meu nariz
e assim escrevo esta farsa de balada,
estas linhas vazias de ilusão,
de quem escreve tanto e nada diz...
CONSOLO III (3 set 11)
Contudo, te aproximas e te beijo;
e para o amor tu mais te propicias
sempre que aumentam externas calorias
e é melhor que aproveite cada ensejo.
Se bem que no calor sempre me aleijo,
nesse beijo de ti já me vicias...
Perante as pás do ventilador me guias
e facilmente consumo meu desejo.
E fico assim pelo zéfiro aliviado,
o meu calor desgastado nos abraços,
sempre excitado quando estás em cio.
E após o amor, estirado de teu lado,
assim te envolvo com minhas pernas e meus braços,
enroscado gentilmente como um fio...
NUDEZ I (13 AGO 11)
Já percebi que embora se apreciam,
nunca se louva particular beleza
na formação dos órgãos genitais.
Talvez porque tocados, mal se viam,
nessas carícias de lenta profundeza,
na escuridão solerte do jamais.
Porém lembro quantas vezes a uma flor
foi o órgão feminino comparado,
como a esse cofre assim tão desejado
chamou-se rosa e a rosa foi amor.
Ou com o cravo o masculino ardor,
tal qual espada de carne revelado,
na bainha da flor emoldurado,
morre na teia do órgão sedutor!...
NUDEZ II
Embora saiba que os poetas mais malditos
também louvaram o pênis e a vagina,
em versos mais ou menos escabrosos.
Só que hoje em dia, até os mais aflitos
dos excluídos, no cinema ou pequenina
tela de vídeo os contemplam numerosos.
Eu, realmente, já descrevi a flor
em metáforas ou em versos bem diretos,
alvo constante de meus sexuais afetos
seu carmesim vibrante de calor...
E a aprecio, sem qualquer rubor:
de uma nasci à sombra de outros tetos,
outras me deram prazeres bem diletos,
na falta de outras também fui sofredor...
NUDEZ III
O corpo humano é o invólucro da raça
e não deve ser motivo de vergonha,
durante o tempo breve do apogeu,
da biologia mostrando a plena graça.
Só o disforme a escondê-lo sonha,
pela saudade do belo que perdeu.
Não há razão para que seja diferente
da exposição dos órgãos femininos,
(salvo que haja motivos fesceninos),
embora feios para muita gente...
E não me causa nojo, francamente,
essa visão dos órgãos masculinos,
mostrados muitas vezes pequeninos,
como desculpa à exibição frequente.
FILHO DO GELO I (2009)
Estou apenas destoando, esfalecido,
neste início de ano, destroçada
toda a esperança de bênção consagrada
qual um inseto no vidro refletido.
Minhalma é espelho e o coração ferido
se esbate apenas contra a mente airada;
pela luz se debate, inconquistada,
a centelha que nos tem tanto iludido.
Não tem espaço amor nesse tripúdio:
a vida inteira se faz sonegação;
são dias podres, de espera ressequidos,
a um ponto que não há mais interlúdio,
que o epílogo passou sem conclusão,
nesse crepúsculo de cantos esquecidos.
FILHO DO GELO II (3 SET 11)
Enquanto espero que o verão me aqueça,
a alma sinto ao invés que me resfria;
essa aridez me rapta da alegria
e não se importa com a sede que padeça.
Ou por que aquece ao ponto em que se esqueça
de qualquer coisa, senão dessa agonia
dos tristes dias em que se ressequia
toda a energia que dentro dalma cresça.
E assim a alma sobre si mesma encolhe,
em posição fetal, e só recorda
essa esperança de que retorne o frio,
quando o corpo reage e não se tolhe
e a alma assim se aquece e então se acorda,
cálida e firme e pronta para o cio.
FILHO DO GELO III
Pois certamente é o frio que me estimula;
não trago em mim tendência tropical;
de ventilador gigolô sou, afinal,
do vento fresco tenho a maior gula...
E de minha vida assim te leio a bula:
"Proteja do calor, que lhe faz mal,
proteja da umidade inatural."
E o termostato em quinze graus regula.
E daí para menos, até o computador
não consegue funcionar pelo verão:
também precisa de refrigeração!...
E assim meu cérebro possui igual teor,
com seus dois hemisférios cozinhados
e seus neurônios também encircuitados!
CONSOLO I (2009)
Apenas me observo, na ironia
de quem tão facilmente descrevia
todo momento triste e de alegria
e que hoje se esforça e não faz nada.
Calor rasga de mim toda a poesia.
É o corpo que se impõe, matéria fria,
mas calcinada. Da atmosfera espia,
por entre as nuvens, a lua acabrunhada.
E eu nem sequer recordo do que seja
um tal amor, qual já descrevi tanto
e que não passa de água de barrela,
quando calor se impõe, ainda que esteja
entranhado nas gotas de meu pranto,
secado agora no ardor que me cancela.
CONSOLO II
Dionyso se foi. Não bebo vinho
na canícula feroz. E a embriaguez
que em versos explodia, já se fez
em sobriedade, qual urtiga sem carinho.
Os versos não são mais que desalinho,
sem elegância, faltos de altivez,
versos da mente e não dos narguilês,
versos deixados à beira do caminho.
E nem quero escrever, porém mais nada
consigo realizar nesta pressão:
o ar se esmaga de encontro a meu nariz
e assim escrevo esta farsa de balada,
estas linhas vazias de ilusão,
de quem escreve tanto e nada diz...
CONSOLO III (3 set 11)
Contudo, te aproximas e te beijo;
e para o amor tu mais te propicias
sempre que aumentam externas calorias
e é melhor que aproveite cada ensejo.
Se bem que no calor sempre me aleijo,
nesse beijo de ti já me vicias...
Perante as pás do ventilador me guias
e facilmente consumo meu desejo.
E fico assim pelo zéfiro aliviado,
o meu calor desgastado nos abraços,
sempre excitado quando estás em cio.
E após o amor, estirado de teu lado,
assim te envolvo com minhas pernas e meus braços,
enroscado gentilmente como um fio...
GOTÍCULAS I (2009)
Ao invés de queixar-me do calor,
quero pensar na chuva que me espera,
que cada gota abençoada, quem me dera!
molhasse a língua em pingo de frescor.
Ao invés de pensar-me sem amor,
quero pensar na dádiva que gera
a bênção nova, que brota como esfera
e nos engloba no mesmo e puro ardor.
Mas o que vejo é que, de fato, não precisas
de mim, por mais que indiques o contrário:
há outros que te amam e rodeiam...
Enquanto me acho preso em tais concisas
dedicações de tempo e numerário,
que quanto mais te buscam, mais me enleiam.
GOTÍCULAS II (4 set 11)
Ao invés de me queixar de desamor,
quero pensar na língua que me espera,
que em cada beijo de novo refrigera
e em céu transforma minha boca em seu calor.
Quero pensar é no estalo multicor
da língua contra os dentes, doce esfera;
na saliva dos sonhos de quimera,
nesses lábios que recebo com ardor.
E por mais quente que esse amor me seja,
é um refresco de todo o sofrimento:
o que me aquece, me resfria num portento.
E nessa cópula mansa que se enseja,
desaparece o calor, enquanto o suor
de nós escorre em regato multicor.
GOTÍCULAS III
E se falar de suor assim te enoja,
não tenho nojo dos líquidos que brotam
ao redor de tua boca e me colocam
agrissalgada promessa que me arroja
em salgidoce esperança, que se aloja
no corpo inteiro, enquanto não se esgotam
os perfumes feminis que me convocam
a mais buscar em teu seio que reboja
esse consolo que diário busco
e é teu perfume natural que amo,
não os vendidos em perfumarias,
nos mil anseios em que assim me ofusco,
é teu olor natural que mais reclamo
e que proclamo no tanger das elegias.