INTENÇÕES E MAIS

INTENÇÕES

Sempre foi a tua mente que eu queria:

para teu corpo, fui mais indiferente.

É claro te amarei, quando presente,

mas não por sexo, bem mais por elegia.

Não te surpreendas, portanto, se ciúmes

eu não demonstre, caso sejas de outro,

de corpo apenas, qual égua de potro,

se a parte humana tua, os reais lumes

da alma, se conserve fiel a mim...

Se insisto por tua mente, a minha é tua,

pois tal amor somente é o que perdura.

Pouco me importa saber se estás, assim,

nos braços de outro homem, toda nua,

quando o espírito é meu e a mente é pura.

DUELO INCERTO

Amor estranho, tal amor frustrado,

que, de frustrado, faz-se mais estranho.

Amor frustrado é esse amor tamanho,

amor tamanho é tal amor sangrado.

Amor sangrado, tal amor sincero,

que, de sincero, faz-se mais infiel.

Amor infiel é tal amor cruel,

amor cruel é tal amor austero.

Austero, assim, em plena crueldade,

que só cruel e austero é amor ferido,

apenas na memória e nunca tido.

Amor infiel, em tal sinceridade,

que alcança ser cruel e ser bondoso

e, só por ser cruel, é mais formoso.

DE AMOR LAMELIBRÂNQUIO

Chegaste na minha vida toda escura

e me deixaste um rastro luminoso.

Tal como as lesmas deixam: perigoso

escorregar nesse traço, enquanto dura.

Chegaste na minha vida retilínea

e a transformaste em vasto labirinto.

Tal como o caracol e, assim, pressinto

que me enleaste em tua vista curvilínea.

Chegaste na minha vida, suculenta

como o escargot que gurmês apreciam,

mas que nunca provei -- e nem desejo.

E mal provei de ti, luz sumarenta,

que brotou de teus olhos, que os meus viam,

por ocasião de teu primeiro beijo.

SINCRONICIDADE

Eu queria dizer que desejava

ser imagem no fundo de teus olhos...

Mas essa imagem que antes me imantava

já foi por outrem usada; e até nos molhos

de sonetos que já formam os escolhos

que estão sobre minha mesa assim cantava.

Fez-se imagem batida e sem antolhos:

não é possível retomá-la em seiva brava.

Enfraqueceu-se essa imagem. Esbateu-se,

inutilmente, contra a tua vidraça

e, entre os caixilhos, vi um par de rostos

que se miravam; e em cujo olhar, sofreu-se,

pois refletiam somente os próprios gostos

olhos nos olhos, na imagem da pirraça...

À MUSA DECADENTE

Quando se ama, se espera que a mulher

abra as portas do mundo, em sua magia.

A vida toda se enche de poesia

e o futuro se antolha em bem-me-quer.

Quando se ama, então, por vez primeira,

se pisa em nuvens e a bênção fulgurante

se encharca sobre nós, nesse constante

chuvisco de pirita... E a alma inteira

considera que o mundo é sua colméia,

que é só melar os dedos e lamber,

porque a mulher é a deusa da ilusão...

Não foi assim comigo, que essa déia

foi surda-muda: não conseguiu,sequer,

abrir-me as portas de seu coração...

PROTÉIA

Uma assembléia canina me persegue:

são cães de tantas raças, cães mestiços,

que me ladram nos ganidos mais castiços,

pelo alimento que me foi entregue.

E, porque ladram, são ladrões, não negue

a semântica do nome. São roliços,

por tomarem dos outros. Tem os viços

que somente o parasita mais consegue...

Não é só que desejem numerário:

querem prestígio e posição social,

esses galgos de fome, essa vermina,

de quem todo valor é secundário.

E eu... só encaro a inveja natural

dessa assembléia que, em tal modo, se encanzina!

TAPETES ROTOS

Quando passavam, as saias revoavam

e, a um golpe de vento, até me expunham

o quanto pretendiam; e supunham

se acreditasse assim que não mostravam,

senão por acidente, tais meninas,

esses joelhos e coxas escondidos,

depressa por olhares perseguidos...

E o cheiro me chegava até as narinas...

Mas, hoje em dia, é tão raro ver as saias

esvoaçantes dos tempos mais antigos...

São calças, são bermudas, religiosas

saias longas e justas, como baias...

E, ao ver pernas expostas, sem abrigos,

cheiro menos sedução nas mais formosas...

SEM SAFENAS

As coisas tardam sempre e são falazes

quaisquer promessas que me venham de outrem.

Embora contas me facilmente encontrem,

as demoras a pagar-me são tenazes...

O que jamais não tarda, são impostos,

cobrados sempre de quaisquer dos lados

a que me volte... São permanentes dados

no algoritmo destes meus desgostos...

Impostos serão sempre os mais sinceros

e constantes amigos de minha vida:

haja o que houver, não me abandonarão.

São fiéis, esses números austeros

das taxas, que me tomam, sem medida,

gota após gota, o sangue da ilusão.

ANDARILHAS

Por que andaria uma jovem seminua,

se não quisesse ver-se admirada?

Quando a vaidade no seu corpo estua,

embora traga no rosto aferrolhada

uma expressão de pura indiferença?

Certo é nem todo olhar lhe causa agrado,

mas sabe bem que o corpo assim mostrado

atrairá cobiça e malquerença...

Desejo de uns, das outras, mais inveja,

que, às vezes, até sente a própria mãe,

ciosa da perdida mocidade...

Mas para "mãe" uma rima não se enseja...

Mãe é só uma, portanto, à "pátria-mãe"

eu agradeço por tal sensualidade...

NATURALISTA

"Arquimedes" só podia ser um físico,

com esse nome; ou então, um matemático,

medindo os ares, brilhando-lhe um simpático

sorriso na comissura de seus lábios...

Já "Marquimedes" podia ser um tísico,

seus foles cheios de pneumonia,

pelo mar que medira, ou pleurisia,

na sua moléstia pelos alfarrábios...

Talvez devera chamar-se "Terquimedes",

pois mediu a Terra inteira com seus números,

suportando a atmosfera nos seus úmeros...

[Ou deglutindo o mar, para acessá-lo!...]

Bem sei que um trocadilho não me pedes,

porém o sábio deu-me a honra de cantá-lo!...

TORREÕES

Até muralhas se cansam quando a insídia

vai rompendo lentamente os alicerces...

Assim os sentimentos, quando inversos

sejam os pólos, pela ação da invídia...

Até o aço cede à ação da vídia

e se perfura. Ao longo dos reversos

corta-se a alma. Pela tração disperses

se curvam corações à ação da mídia...

Assim minha vida: biruta e maravalha

me são podadas pelo torno e enxó.

Eu não me quebro, só enxugo lentamente

os meus excessos, que a energia espalha

e, pouco a pouco, o cerne fica só

que, diverso da muralha, é permanente.

COLATERAIS

Tu nunca me feriste. Nem podias.

Para ferir-me, intenção era precisa,

desejo de punir, uma indivisa

atenção perante a meta que querias...

Não, nunca me feriste. Conhecias

uma forma de agir mais insidiosa.

Quando os espinhos ferem, fica a rosa

tão bela e imóvel quanto antes a vias...

Não foi assim. Foi veneno indiferente,

centrado em ti, de modo permanente:

nem sequer calculaste o que fazias...

E, de tal modo, a ação foi indecisa,

pensavas só em ti, foste abrasiva

e o mal foi feito porque nem me vias...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 02/09/2011
Código do texto: T3196501
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