OÁSIS & MAIS

QUANDO O OÁSIS SECA

É doida esta visão que me enaltece,

essa visão que sinto, tão doída,

pois jamais poderá ser condoída

a mágoa escura que tão perto cresce.

Eu que nutri tal mágoa em minha ferida,

aberta ao coração, na mesma prece

em que rasguei de mim o que parece

ser a fibra mais preciosa de minha vida...

Tomei semente e plantei-te ao coração,

até que a flor brotasse e a alma gelada

se re-aquecesse com toda minha energia,

mesmo sabendo que, ao dar-te meu condão

e ao reparar-te a mente estilhaçada,

tudo te dava e nada ganharia...

ABANTESMAS I

Uma mulher queixou-se que os fantasmas

de seus velhos amantes ressurgiam

a cada vez que os via... e produziam,

por vivos serem, uma névoa de miasmas.

Sua lembrança olvidava, mas revê-los,

em carne e osso, fantasmas de calçada,

de novo lhe sorrindo, na impensada

expectativa de que voltasse a tê-los,

como a fazia sentir-se envergonhada...

Sabendo pertencer-lhes, no passado,

sem conseguir libertar-se, no presente,

mas de seus rostos vítima assombrada,

daquele mesmo outrora rejeitado,

mas que insistia em retornar premente...

ABANTESMA II

Eu sempre a consolei. Mostrei-lhe a aurora

que sempre seus fantasmas dissipara...

Até falei de amor, qual despertara

dentro de mim, inda soubesse, embora,

como era indesejado o sentimento

que lhe trazia agora, em taça de ouro...

Meu coração voltou-se, sem desdouro:

amei-lhe a alma e quis-lhe o pensamento.

Não era o seu desejo, todavia...

Queria era possuir nova lembrança,

para um cortejo nutrir ainda maior...

Queixou-se dos fantasmas, mas queria

gerar outro abantesma, sem tardança

e junto aos outros conservá-lo a seu redor...

VERTIGENS

Eu me pergunto, às vezes, se esses rostos

por que me encanto, nestes meus ideais,

são verdadeiras expressões carnais

ou, tão somente, os irreais prepostos

de meus sonhos infiéis, belos desgostos,

que busco a meu redor, bênçãos fatais,

inspirações sem cor, negros torchais

que meus vazios do interior fazem expostos.

Talvez eu busque, apenas por castigo,

de falta imaginária cometida,

amar miragens que eu próprio criei.

Que tão só no coração têm seu abrigo,

pobres fantasmas... Nem sequer tem vida,

senão no amor que a mim mesmo neguei.

RABDOMANTE

Passam-se os dias e nem sei se existes

fora de mim. Apenas um fragor solipsista,

que se apodera de mim e me conquista

e me faz duvidar se até consistes

em algo mais que a urdidura de meu sonho.

Pois quanto houve entre nós, foi fiação

dos bilros do invisível tecelão...

Meu coração secou-se e nem mais ponho

dentro do peito. Vazou-me todo o sangue...

Esse artífice de mágoas teceu sombras

e num casulo de tinta me prendeu...

Mesmo sabendo que me achava exangue,

com meus nervos teci novas alfombras

para amor, esse artesão que me esqueceu.

AGOURO

Magro é o festim, quando não se partilha

o orgasmo alucinante de mortalha...

Se dor qualquer em nosso amor se espalha,

se nosso ardor em mau calor se estilha...

Que importa a entrega, quando amor humilha?

Sentir que amor é inútil maravalha,

que o aço desse amor se faz limalha,

que se desfaz em carne a maravilha...?

Que a bênção almejada é dom confuso,

que mata o brilho na consumação,

que ao invés de glória, traz humilhação...

Em que prazer se teve, bem de perto,

sem prazer conceder, em triste abuso,

qual um oásis ressecado no deserto...

VOANDO SOLO

O único deus existente para mim

repousa sobre o peito inexistente

de minha amada verde e indiferente

a qualquer simbiose em meu jardim...

Deste modo, a ecologia que me resta

é conviver comigo em simbiose.

Na busca vã de alguém que me despose,

sou convidado único da festa...

Assim, se a mim mesmo me convide,

quando sou de mim mesmo simbionte,

tenho certeza de comparecer...

No parto inexistente e que me agride

desse deus gerador da mesma fonte

em que posso a sós comigo conviver...

CONVERSÃO

O nome do poema será

"neuropediatra".

Nem sequer comecei, mas sei que um novo ritmo

terei de achar aqui, em sonho que idolatra

não mais do que a mim mesmo,

no ilegítimo

buscar de novas rimas, novas métricas

que sei não empregaram nas canções

escritas até hoje.

Sequer encantações

destinadas aos deuses ou nas tétricas

e imprudentes invocações

de elementais,

os curandeiros de meus solertes brilhos

pelo conselho de ignóbeis gênios...

Porque os versos que escrevo são meus filhos

e por eles conjurei forças fatais,

que se achavam dormentes há milênios.

EM FÉRIAS DE POESIA

Cantei demais o amor; agora o ódio

deve tornar-se o meu filão perfeito:

de versos de ouro em chumbo contrafeito...

Já encontrei meus versos sobre o pódio,

qual pedra filosofal... da fancaria,

que fez minha prata em cobre liquefeito;

em ácido fatal, o ideal perfeito;

e do mais puro amor, quinquilharia...

Sempre irei embaçar o fugaz brilho,

que vejo aceso em seu olhar mortiço:

não é rancor que sinto, é malquerença

contra o destino, que me impele ao trilho

de que tento fugir, no amargo viço

de combalir o fado a que pertença...

CONDOÍDO

Se fui o último a saber de teus segredos,

serei primeiro a repassar ao mundo

que não me acariciaste com teus dedos,

nem demonstraste por mim amor profundo.

Apenas me enviaste esses torpedos,

para que não sussurrassem, num imundo

delatar-me aos ouvidos, tais degredos,

por inveja ou por malícia. Que iracundo

me contemplassem, no ridículo

descrever de teus atos, nesse irônico

cochichar entre os lábios e os ouvidos...

Mas na sombra de meus olhos eu retículo

a imagem de teu sonho, quase afônico,

a mastigar tais sarcasmos repetidos.

ESTOURO

Nem sei se agora chegará um novo

e-mail de meu sistema imunológico.

Sei que escrever poesia é patológico,

um metastático ardor em seu renovo.

Mas é que esta manhã, em minha cabeça

voa estranho zunido, sem destino...

São versos combatendo e o pequenino

orifício de saída que os impeça

de se manifestarem todos, a um só tempo,

se localiza em minha mão direita,

num capilar esguio entre meus dedos...

É por ali que sai o contratempo

em que se empurram, na luta contrafeita,

meus infiéis delatores de segredos...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 31/08/2011
Código do texto: T3193149
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.