A Sina Metropolitana
Quem deixa seu interior
Buscando oportunidade
Não vai de boa vontade,
Mas pena caso não for.
Pra não viver de favor
Parte na inocência
Buscando independência
Que a capital oferece.
Viaja assim na ilusão
De logo voltar pro torrão,
Se sorte na vida desse.
Mas essa toada ingrata
Da sina metropolitana
Só ludibria e engana
E a esperança maltrata.
Distante vai ficando a data
E o sonho de voltar um dia
Vai pra aposentadoria,
Se Deus nos der essa graça.
Mas pela terrinha da gente
Saudades é o que se sente
Mesmo se o tempo passa.
Todo dia vem a lembrança
De como a vida era boa.
Não tínhamos luxo à toa
Quando ainda era criança.
Aos poucos vem a mudança
E já nem damos valor
Aos detalhes de primor
Que compoem nossa história.
Cedemos a rotina frenética.
Penhoramos até nossa ética
Buscando a própria glória.
Mas quando o vigor desmonta
E enfim a razão desperta,
Uma saudade aperta;
Uma nostalgia desponta.
Voltamos a fazer conta
Do tempo para voltar
E para aliviar
Esse desgosto sentido
Corremos atrás de ambiente
Que reavive a mente
Do nosso lugar querido.
Pagamos caro hoje em dia
Em ambientes temáticos
Que nada tem fantásticos.
Acho até uma ironia,
Pois o que no interior se via
De graça e aos montantes,
É tema de restaurantes
Pra atrair clientela.
E aquela simplicidade
Brotada em humildade
Deixa de ser bagatela.
Uma casa de taipa feita
Sem nem sequer ter reboco.
Móveis velhos e tão poucos
Hoje parece perfeita.
Quanta vaidade desfeita.
Uma cama forrada com xita
Nunca se achou tão bonita
Como a vemos agora.
Uma arupema, um balaio
D’uma budega ou mangaio
É o que enfeita e decora.
E até vale a tentativa
Do cenário reproduzido,
Mas quem tenha mesmo vivido
Aquela época emotiva,
Nada disso o cativa
Nem pense que é enganado,
Pois neste ambiente montado
Não ficamos bem à vontade.
Falta um sorriso sincero
Falta amor, falta esmero
Falta pessoalidade .
Falta planta no terreiro
Brotando do chão batido.
Falta um cachorro sofrido,
Fiel amigo e parceiro.
Falta aquele fumaceiro
Do feijão feito à lenha,
Perfumando quem quer que venha
Desde que sem frescura.
É incrível como o pobre
Acolhe melhor que o nobre
Mesmo sem ter fartura.
E com essa lembrança, então
Com o tempo vamos notando,
Que a vida nos enganando
Nos fez lutar quase em vão.
Deixamos nosso torrão
Em busca de melhoria
E a gente se quer sabia
Que tudo era vaidade.
Para somarmos centavos
Viramos foi mais escravos
Desta nossa “liberdade”.
Espero não ter passado
Meu tempo para voltar.
Espero não me amoldar
Ou ter me acomodado.
Que não tenha me acostumado
A comer sem sentir fome.
O consumo nos consome
Num sistema sem sentido.
Antes qu' eu me desencontre
Queira Deus, me reencontre
Sem qu'eu tenha me perdido.