ANTES DE NÓS

Se não erguestes morada

nestes lados, nestes fundos…

...pra poder cuidar o mundo

longe e tão perto daqui;

Mesmo errante, compreendi

que, tua luz, nada consome.

E eu tanto chamei teu nome

até que, um dia, te vi!

Já estavas - antes de nós -

costeando muitas tropilhas;

E coloreando as flexilhas

co’a cor de algum sol perdido.

Em todo rincão benzido…

...cada várzea ou invernada;

As obras tuas, criadas,

sempre mostravam sentido.

Afinaste o canto esguio

de algum tajã viajeiro,

e o berro grosso e manheiro

da tropa magra marchando;

Antes de nós - sabe quando -

já existias, por certo...

E as flores do campo aberto,

por tuas mãos, foram brotando.

O saber e a paciência…

...a bondade e o respeito;

O tino, a calma e o jeito

pra o futuro domador.

Os rumos do corredor

com aromas adoçados...

...para os livres do pecado,

mas prisioneiros do amor.

Aguadas de espelhos claros…

...capão de mato - guarida -

Alguma cruz mais sofrida

pra’o que podia aguentar.

As estrelas do lugar:

Cruzeiro, velha Boieira!

...Como simples companheiras

aos que teimavam andar.

Em cada ciclo perfeito:

Sonho, luz e criação;

...O silêncio do rincão

com o idioma da tua voz;

- E o homem, que veio após,

será que guarda o valor

que o justo "nosso Senhor"

cultivou antes de nós?

Pra bem de terra genuína,

nasceu tudo que é nativo;

E puseste mil motivos

pra chuva vir e vingar.

...O tempo foi-se à passar,

vieram ventos e luas…

Até que as gargantas cruas

aprenderam a rezar.

Daí, se fez o caminho

- todo de santa humildade -

...Os chamados de saudade

dos carreteiros antigos;

...Os barbarescos perigos

de apertos e de vileza;

Onde mostraste a certeza

de ter criado o amigo.

Nas horas de solidão

(onde a tristeza se agarra)

deste razão às guitarras

e ao cantador madrugueiro.

Ergueste o rancho primeiro

num posto desocupado...

...que, agora, os meus alambrados

dividiram-no em potreiros.

Na vastidão das lonjuras

surgiram quatro estações:

Os estendidos verões,

que amolentaram esperas;

As benditas primaveras

banhando o feitiço eterno;

Antes de outonos e invernos

pairarem sobre as taperas.

...Tombou a prima tormenta,

inundando encruzilhadas.

...As chagas foram curadas

sem cobrar por receber;

E uma lágrima à escorrer

salgou teu rosto sofrido…

Quando um lamento comprido

fez a saudade crescer!

Antes de nós, os teus olhos

de criador soberano,

já reinavam neste plano...

...no infindo das sesmarias.

Tuas intenções de valia

eram anúncio e sinal

do que - por bem ou por mal -

no más, aconteceria.

Assim, o passo das horas

seguiu, com escassa pressa;

Nasceu a jura, a promessa,

o perdão e a incerteza.

Depois, tamanha pureza:

Surgiu a paz, a emoção…

...E tudo sem distinção,

diante à fortuna ou pobreza.

Por fim, a fé mais crioula

que este meu chão conheceu.

Onde o cristão que bebeu

quieto, conserva esta foz.

Quem desatou os seus nós

comungou da gratidão,

nas asas da proteção

- abertas antes de nós -

...Se não erguestes morada

nestes lados, nestes fundos,

foi pelo encanto profundo

da crença rude e comum.

Pois desencontro nenhum

há de roubar-te o destino

de ser pai e peregrino

da vida de cada um!

Outrora, toda esta gente

nem pensara ter querência;

E tu já tinhas tenência

de moldar rumos aos meus.

- E agora que se perdeu

o que tinha antes de nós...

...Se o campo restar a sós,

quem irá lembrar de Deus?