Ode ao Amapá

Da noite que eu vim, perseguindo um Brasil...

Rumo a linha do Equador...

Paralelo distante!

Fui certeiro em teus olhos onde o Araguari...

Segreda em águas e se faz gigante.

Onde das cidades as luzes perdi...

A passar baias com os navegantes.

O cheiro tosco do mato...

Hás de acender, nas alcovas a alfazema antiga...

Dessas lonjuras a distinguir-me.

Entre espumas frias,

e a lama do rio a soprar no bafejo das tardes.

A bordo de uma brisa impavida

Em sumas folhas de outono moreno...

Em meus olhos assíduos

Onde maduram-se os laranjais do Jari.

Num ultimo hálito que sopra

A celebração de meu rosto!

E que é meu rosto, senão a beleza que o amor talhara, diante de seus olhos!

Por entre a brisa do Amazonas um barco de silêncio.

Pintado e pomposo ao chorar das vagas...

Turvas e também profundas!

Na goela do rio...

No macareu pororoca que vem a roncar.

Cobra grande, que espanta esses beiços caducos de lama.

E deste sangue ribeirinho de teus olhos, doces,

que versejam as copas, vai filtrando memórias.

Memórias ainda contadas

Nessas árvores e florestas.

Chão de vivos e de mortos a se estender nas lembranças.

E teu seio indígena ao longe amamenta

a boca que grita, em choro habituado.

Entre as flores moiras das reservas

As amazonas...

Que se camuflam em suas tribos assim

pintadas a carácter.

Nesses topos do Brasil além do grão Pará...

Onde escorrem em branco leite os amapazeiros feridos...

Que em ti sacia o gosto dessa boca.

Em sumo aroma frugal, farnel das matas.

E nesses barcos de partidas e chegadas...

Que miro ao longe no alveo barrento de teus caminhos.

As mulheres sem nome, o menino e o navio

No barco e na Barcarola.

Na canoa e nos remos...

E em teus braços cansados!

Ao mirar infante do convés.

Dizei assim vitória régia...

Sou a exuberância divina.

Eu lótus imponente que segrego o bólido das águas.

Que aos olhos do viajor apascentam

Nessas paisagens luciferas

Varadas de rabetas e de barulhos longínquos.

Onde boiam canoas e árvores caídas.

Rápido e de relance te vejo

Oh pirarucu na duração de teu fôlego.

Num hálito triste do olhar da morena.

Raiz semente e chão.

Infância pobre assim se aclara...

E era uma vez o cheiro dos taperebás

E o rio e uma canção dessas do vento...

Nas moitas olorosas!

E eram as meninas de olhinhos puxados...

Morenas de cabelos negros esbolçadas ao sol.

De bocas bonitas e blusas molhadas.

Solfejando canções no lavar das roupas.

Entre o azul e o roxo dos açaís, na palidez das manhãs.

Brônzea flor dessas ilhas do Bailique.

Dos quintais pomares do Afuá.

Na madurez dos frutos.

A estrela de teu rosto se acendeu nos olhos.

Eu este aprendiz do amor.

Este aprendiz da solidão.

Entre mortes e ressurreições

Francisco Cavalcante