Romance do Assoviador
ROMANCE DO ASSOVIADOR
Que destino, moça bela
Ter nascido Bem-Te-Vi
Se meu canto - que era livre
É prisioneiro de ti...
E a melodia que escutas
Confesso, eu não escolhi!
Logo que a primevera flor
No campo aberto acordava
Eu pousei junto à janela
Do quarto que descansavas...
Sem intenção de romances
Somente de asas cansadas.
Cantei alto, erguendo o bico
Como se fosse o bastante
Eu era maior que o mundo
Mas bem pequeno no instante...
Em que vi, entre a janela
Teu tão singelo semblante.
Me fiz silêncio contido
E mesmo de peito inchado
Já não era mais o mesmo
De algum cantar afinado...
Os acordes do meu peito
Todos restaram calados.
Que destino, moça bela
Ter nascido Bem-Te-Vi
Pois se em silêncio me ponho
Nada posso te pedir...
E só conquisto o que quero
Se meu cantar existir.
Cuidando, de jeito quieto
Na borda da mesma fresta
Ouvi patas em atropelo
Como que em dita seresta..
Feito alguém que traz surpresas
Sem nem avisar da festa.
Um cruzador bem pilchado
Numa rosilha gateada,
Que em frente ao mesmo rancho
Chega ao meu lado e esbarra...
Trazendo junto às encilhas
Bem atada uma guitarra.
Apeiou, de riso largo
Trouxe a guitarra nas mãos
Num metro diante à janela
Cercado pela amplidão...
Dessa vez, meu assovio
Não seria mais canção!
Uma milonga serena
Foi bem mais que serenata
Pra moça bela surgir
Num terno olhar de prata...
Pois pra quem canta em silêncio
A sorte é bem mais ingrata.
Em cada verso entoado
O meu sonho se acabava
Por ver que o tal domador
- Este que há pouco chegava...
Te encantou bem mais que o canto
De quem tanto te esperava.
Bordoneios de conquista
Ponteios de um só desejo
Nesta minha solidão
São os assombros que vejo...
Do medo que a moça bela
Oferte ao andante um beijo.
Que destino, moça bela
Ter nascido Bem-Te-Vi
Se mesmo n’outro rincão
Eu sempre cantei pra ti...
Morrer de saudade é certo
Errado é morrer aqui...
Aqui na janela grande
Onde assoviei nas partidas
E nas manhãs te contava
Tanto e tão pouco da vida...
Restando agora ser noite
Num só vôo de despedida.
Agora só vejo longe
Teu ranchito bem erguido
Com uma rosilha atada
Num angico florescido...
E um gaúcho cantador
Que é dono dos teus ouvidos.
Eu segui assoviando ao tempo
Nos rumos que percorri
Enciumado de um poema
Que nunca cantei pra ti...
Que destino, moça bela
Ter nascido Bem-Te-Vi!