Porteira Chora Pra O Vento

PORTEIRA CHORA PRA O VENTO

Porteira chora pra o vento,

assim como a sanga clara

conduz seu lerdo lamento

aos pedregulhos ribeiros.

Igual ao raio primeiro

de um mormaço recém vindo,

que mal clareia ou esquenta

toda geada branquicenta

da madrugada esvaída

que - ladina - está partindo!

Porteira chora pra o vento,

assim como os touros berram

cortando invernadas largas

e lonjuras de além vista.

Murmurando as solidões

destes campos desparelhos,

onde os silêncios renascem

ante as vozes dos rincões!

Chora a tranca da cancela,

soluçando na ferrugem

tantas cismas de abandono!

- Porteira que não tem dono,

só divide o campo alheio…

Quão pesado é teu receio?

Quão antiga é tua vontade

de beber da liberdade

que mil outros estão cheios?

Tropas roçando-te o pêlo,

chuva escorrendo-te inteira…

E os olhos destas distâncias

te cuidam, sob o desprezo

da tão comum existência

de semelhantes porteiras,

que choram - a vida inteira -

aos ouvidos da querência!

Porteira chora pra o vento,

bem como a china tristonha

reluta um amor perdido

na ferida da lembrança!

É um lamúrio de criança

minguando a fome e o frio,

num incansável vazio

sem saída ou esperança!

E o vento - sempre paciente -

penteando as macegas ralas

e os pastos dos banhadais,

atiça a dança insistente

da porteira quase aberta...

Ora indo, quase muda…

Ora voltando, calada…

Mas, repetindo a jornada

neste doído compasso,

vai perdendo seus pedaços

- madeira, casca e vaidade -

E chora, enfim, a saudade

a pobreza e o cansaço!

...Como choram as cordeonas…

...como choram as encilhas…

Como as mágoas andarilhas

despejam gotas de ânsias.

Mas quem lhes dá importância?

Quem lhes afaga ou conforta?

- Pois, atrás das tramas tortas,

com certeza, um coração

pulsa, buscando a razão

do fim destas horas mortas!

Arames de farpas miúdas,

todos desfeitos, tombados!

Cambão, o atilho, a estronca…

São pedaços já entregues

à terrunha extrema-unção

que o novo tempo faz jus.

- Porteira chora pra o vento…

Sem o menor cabimento,

como um finado sem cruz!

E os ranchos que são povoados

pela presença do homem,

pela fartura da vida…

...não atendem ao chamado

repetido e demorado

de uma figura franzina

postada léguas dali!

Ranchos, um dia, se sabe:

Serão taperas tomadas

pela morbidez, a cinza,

e a sombra dos arvoredos

confundindo a escuridão.

...E a porteira, por que não?

Porque é do mundo, é de tantos…

Mesmo ruída aos quebrantos,

terá o sol destas manhãs.

...Será eterna e guardiã

dos andantes, das partidas.

Com esperas recolhidas

num crioulo chamamento

chorando pra qualquer vento,

sem mazelas escondidas!

Há uma poesia guardada

na lágrima que resiste

junto ao choro da porteira.

Um verso firme e composto

pelo sincero argumento

parido destas entranhas!

...E o recorredor, voltando

d'algum rodeio parado,

parece andar enciumado

mas só lhe resta andejar.

Seu assovio é uma queixa

mas o vento não lhe deixa

- quase nunca - reclamar!

Porteira chora pra o vento,

nos ermos das tardes mornas…

Empurrando o sol por diante

até os braços do poente.

Com idioma primitivo,

esguio e de pouca força…

Chora pra que só lhe ouça

quem souber os seus motivos!

E quando chora, se atenta!

...Rimando o rangido frouxo

com a orquestra terrunha

dos cardeais nos alambrados.

Guardando em si o pecado

de ser contrária ao destino…

Vertendo um gemido fino

toda vez que lhe aprisiona

a tortura temporona

onde o vento é peregrino!

...Te faz visita, o inverno,

pondo vestido de noiva

nas tuas broncas curvaturas.

...Se a primavera perdura,

te enfeita a trança enredada

pela flor crua e baguala.

...O outono, à ti se iguala,

sem adornos, sem feitio,

penando a falta do brio,

pra roubar-te a dor da fala!

...Muito menos, veraneira!

Serás apenas porteira,

mesclando as quatro estações.

Órfã destas amplidões,

prima-irmã do desamparo.

...Só o vento, amigo raro,

pode dar-te explicações!

Porteira chora pra o vento,

bem como as guitarras soam

nos fogões de almas acesas.

Como estrala a labareda

e a chispa fala ao braseiro.

Segue o vento companheiro…

Segue o pranto, este fadário…

Cercando o mesmo cenário

das mesmas mágoas gritantes.

Os ranchitos, mais distantes…

Os caminhos, mais pesados…

O campo ainda calado,

e a porteira igual à antes!