Das Horas Que O Campo Chora

DAS HORAS QUE O CAMPO CHORA

No silêncio mais genuíno,

chora o grampo do farpado...

Não por ser aprisionado

e findar junto dos fios,

(tampouco há mormaço ou frio

lhe condenando as retinas)

mas pela ausência da crina

é que se faz tão vazio!

Geme um basto, em noite grande,

costurado pelo tempo...

Minguando o compasso lento

da sina que lhe conduz.

- Solidão que, em si, faz jus

por sentir falta do lombo...

Guardando a cura do tombo,

lembrando o beijo das "cruz".

Na parede, abraça o gancho

um cabresto rebentado...

Pois - muito embora, sovado -

sem uso, não se consola.

- Diante à carona de sola

(que também não vai à encilha)

recorda muitas tropilhas

e mil romances co'a argola!

Estrivos enferrujados

- quando ainda manhã cedo -

conversam dos seus segredos,

das cismas... também espantos.

- Estriveiras n'outro canto...

...hoje apenas são metades

e motivos de saudade

das recorridas de campo.

As nazarenas, tal moças

cantantes e - um dia - belas,

que luziam - tagarelas -

pelos caminhos compridos.

Agora, em tremendo "olvido"

somente contam lamentos:

- Uma torta e já sem tentos....

....outra com dentes perdidos.

Cinchas sujas, esfiapadas,

por cruzadas em banhados...

Pelêgo gasto e rasgado

que mal e mal forra um banco.

E alguém de cabelos brancos

cuidando o próprio passado

em cada apero deixado,

feito nem valesse tanto.

A florzita da canhada

se despetala - sentida -

Guaxa de amor, não colhida

pra janela do ranchinho.

- Gado que cruza sozinho

sem reparar onde pisa...

E, então, com morte batiza

esta flor e seu espinho.

Rabicho longe da doma...

Peiteira sem dar confiança...

Um poncho que é só lembrança,

buscando aromas de outrora.

...Buçal fraco, mas que implora

voltar na forma, algum dia.

...Guitarra sem melodia,

que pra o fogo, virou tora.

Canga frouxa e retorcida

nem ouve o tranco dos bois;

...Perdeu-se n'algum depois

(destes que o tempo promete)

Pajonal povoando o brete

- tapera que se formou -

E um lagoão que já secou...

...estrelas não mais reflete.

Cinamomo desgalhado,

que o verão pouco conforta.

Ciscos de poeira na porta

desfeitos pelas vassouras.

- Zainas, tordilhas e mouras

de cola e de crina inteira;

Penando, desta maneira,

o abandono da tesoura.

E o campeador, recorrendo...

...irmanado à solidão;

Ponta à ponta do rincão...

...sua sina não escolheu;

Tantas vezes se perdeu

(na forquilha de um bragado)

contando e tropeando o gado

que jamais há de ser seu!

No braço largo e comprido

de um umbú - guardião do tempo -

reluta o sopro dos ventos

algum gancho carneador.

- Geadas, o inverno, o rigor...

...são o açoite que lhe entangue;

Talvez, por castigo ao sangue

que tombou, sem sentir dor.

Na boca clara da sanga,

vez por outra, com espanto,

se ouve um tremendo pranto

entre salsos e remansos.

- Não há mais longos descansos

de quem cruzava por diante;

Tampouco a sanga garante

fim de sede aos potros mansos.

Pelos moerões das porteiras,

nas barras da manhã cedo,

bem se revela um segredo

que o campo notou primeiro...

...Um vulto, sem paradeiro,

lamenta que há de cantar;

- Sem o par pra lhe escutar,

chora, assim, o João Barreiro.

O serenal deixa o pasto,

foge ao sol baio que arde...

São mais pesadas as tardes,

são mais lentas as demoras.

...Palanque que não escora

o golpe de algum tirão...

- Testemunha, na amplidão,

das horas que o campo chora!