Ranchito

RANCHITO

Chega doer-me, ranchito,

hoje cruzar, te rondando.

Como somente esperando,

deste adeus, um recomeço!

- Eu te vejo pelo avesso,

tu me enxergas, logo, o mesmo;

...Será então que andejo à esmo,

num rumo que desmereço?

Tu, por tapera, devias,

ao menos, contar-me um tanto

deste sentir - duro espanto

com a alcunha "solidão" -

...Ou talvez, dar-me razão

de te olhar com esperança,

ressuscitando a lembrança

que me prende o coração.

Eu só lamento, ranchito,

teres dois olhos benditos...

...não janelas bem postadas.

Quando te cuido, parece

que não mais vives de escombros;

Pois me atiças, com assombro,

rubro ciúme doentio.

Tu que, há pouco, eras vazio

chega renascer, radiante...

...Feito o sol que vem, brilhante,

sangrar o campo sombrio.

Como então não recordar

que habitei teu interior?

Ranchito erguido de amor...

...ruído quando deixado!

- Ciscos na porta, trancado,

onde a mão da liberdade

afagava... e por vontade

foi atendo escancarado.

Eu só lamento, ranchito,

teres dois olhos benditos...

...não janelas bem postadas..

Tu, por tapera, devias

não mostrar tamanho encanto

nem mesmo causar-me o pranto

quando encontro a tua mirada.

Tu, que és história tombada,

como ousas tal direito

de ainda habitar o peito

de quem te habitou, morada?

Muito embora sempre altivo

- semblante que não padece -

Quando chove, bem parece

que choras pelas paredes;

E eu me vejo pasto verde,

bebendo as gotas que largas

que saciam (mesmo amargas)

mi’a saudade, que tem sede.

Eu só lamento, ranchito,

teres dois olhos benditos...

...não janelas bem postadas.

Outros cuidarão, calados,

duvidando o teu “olvido”.

Já não tens jardins floridos,

somente espinhos de dor.

Mas meu sonho cruzador,

por algo, te avista inteiro;

Mesmo sendo prisioneiro

do perfume de outra flor.

Tu, que és ranchito, devias

ser apenas moradia;

Uma ausência diante aos dias...

...lembrança que vem e vai.

E não rebrotar jamais

tuas antigas primaveras,

onde então, eu sou tapera

na ilusão do nunca mais.

Quantas vezes já fui tropa

cruzando no teu sombreado!

- Andejo sonho criado

que condenou-me à distância;

E à repartir esta ânsia

que batiza o teu final

como simples memorial

dos fundões de alguma estância.

Guardaste por sobre a quincha,

luas cheias, de saudade.

Que, agora, apenas metades

toldam o céu dos amantes.

Já somos partes distantes

destas luas, destes ventos.

- Nosso escasso sentimento

se iguala ao quarto-minguante.

Tu trazes marcas, memórias...

...gravadas para o eterno.

Que nem outonos e invernos

hão de borrar, pela sina.

Tal fossem matéria-prima

que o idioma da vivência

teima chamar de querência…

...teima conservar genuína.

- Atemporal resistência

disfarça a conta da idade!

...Tu és rancho por metade;

Eu, andante passageiro.

Teimando ver-te, ligeiro,

entre a penumbra da noite

que agora te entrega açoites,

não mais um céu estreleiro.

Eu só lamento, ranchito,

teres dois olhos benditos,

onde percebo, depois:

...Que não mais seremos dois;

Tu, morada. Eu, sou distância.

Nesta tremenda inconstância

que a vida guarda pra os seus.

- Pois, teu silêncio escondeu

além da quincha, ranchito,

este par de olhos benditos...

...outrora, gêmeos dos meus!