Súplica nordestina
Sem prumos guiados tão-somente pelo sol
No solo estropiado pela seca da caatinga
Sequer sinal d´água em seu freático lençol
Mortos-vivos em olhar famélico que mendiga
Mais um êxodo de nomadismo forçado
Dos filhos do sertão árido em peregrinação
De estômagos jejunos cujo sofrer não pode ser orçado
Desde sempre no círculo vicioso da flagelação
Na cegueira trivial face à estrepitosa fome
cactos são iguarias suculentas que se consome
Pronto acalanto perante a miséria agonizante
As decrépitas almas de magreza crescente
A melanina alterada pelo diário mormaço
Gente nova com a derme envelhecida diante ao cansaço
De trajes surrados próprios maltrapilhos
Ainda ariscos e ingênuos ao mundo como novilhos
Anônimos a esperar sedento o Messias
A livra-lhes da via-crúcis dos dias
Pútridas carcaças a céu aberto que sucumbiram
Os quais sobreviventes da seca ao chão miram
Na súplica nordestina famílias olham o céu
Evoca as nuvens a abundante precipitação
Dádiva pluvial, a ressurreição desse mundéu
A gerar o oásis a tétrica paisagem do sertão
Na pele assaz fina e descarnada
Bem a ostentar a compleição esquelética
Num lamentar de rústica dialética
Os retirantes levam a cabo a heróica jornada
Gente crédula a rogar um líder messiânico
A salvar do óbito os meninos hidrópicos
Compensando na fé a ausência do Estado
Tenaz em Romaria a busca do paraíso inconquistado
Clamar em versos a chuva da providência
Insumo agrícola a dar-lhes a sobrevivência
Ao menos uns alqueires de terra a suster sua prole
No porvir a fim de que não mais esmole
Das infindas injustiças sociais no agreste
Grande revolta e desalento ao povo deste
Criança inocente sequer agente do pecado
Desde concepção, da vida digna está alijado
Esse poema tem sua composição inspirada na obra "Vidas secas" de Graciliano Ramos, cuja temática literária aborda constantemente a questão das prolongadas seca que assola o povo sertanejo.