Marias

As noites tão coladas aos dias não lhe deram permissão pra ver a vida.

Quantas barrigas carregaram ladeira acima e ladeira abaixo?

O vestido surrado mantém a forma do corpo maternal.

O lenço quase sempre branco como adorno no alto da cabeça.

Mãos calejadas, unhas mal cuidadas.

As rugas em um rosto ainda jovem denunciam uma velhice precoce.

A vida não lhe sorriu, lhe negou a vaidade.

Mas, quanta meiguice, quanta ternura naquele olhar!

Ah, essas Marias! Lindas, guerreiras, sofridas...

A lata d’água na cabeça a caminho da fonte antes mesmo do

amanhecer...

Era só o início de uma jornada.

O choro calado, a reza baixinha... sempre pedindo a Deus alento.

Forças pra vencer mais um dia, que tivesse piedade do seu menorzinho,

que ardia em febre e ficara sob os cuidados da filha mais velha, que

também não passava de uma criança.

Um dia como outro qualquer... a mesma rotina de lutas...

Os afazeres domésticos, a lida no campo

Debaixo de um sol escaldante e impiedoso.

A veste colada ao corpo de tanto suor.

À distância não se sabe se é homem ou mulher.

A morenice, obra do cotidiano.

Fim de tarde; a volta pra casa; retorno ao doce lar.

E lá estão eles à sua espera.

Ah essas Marias!! Lindas, guerreiras, sofridas, mães e amantes.