O MANDACARU
A sós, na imensa caatinga,
deixando vai aos pouquinhos
pedaços de pele e roupa,
arrancados por espinhos
das galhadas retorcidas
que se interpõem nos caminhos.
Para mitigar a sede
que fere os lábios rachados
e lhe resseca a garganta,
dos mandacarus achados
tira retalhos de vida
mascando os caules cortados.
Dizem – não tenho certeza -
que o mandacaru nasceu
da lágrima derradeira
que dos olhos escorreu
de uma mãe exausta e aflita
ao perder um filho seu.
Ao tocar a terra dura,
uma voz se fez ouvir:
“Dessa lágrima dorida
há de a vida ressurgir
no formato de uma planta
que a seca irá de resistir.
Seu visual será triste
como a dor que lhe deu vida.
Seu caule, verde e alongado
não terá copa florida.
Sua pele lisa e carnuda
de espinhos será tecida.
Será despida de enfeites
mas, sem igual em valor.
Tal qual um seio materno
trará no seu interior,
a seiva rica da vida
para o infeliz viajor.
E quando tudo ao redor
sucumbir ao sol ardente
num tom cinzento de morte,
só ele, valentemente,
resistirá ao calor
numa batalha pungente.
Mas, se a seca perdurar
por um tempo indefinido,
de cor cinza ficará
seu caule verde e comprido
e, aos poucos, se vergará
tocando o solo, vencido.
Secando o mandacaru,
seca o sertão por inteiro.
De grandes calamidades
é o prenúncio derradeiro.
Resta, então, ao sertanejo
fugir para Joazeiro.
Sozinho, o mandacaru
continuará vigilante
ao menor sinal de chuva.
Não morre ao sol causticante,
pois, em sua raiz profunda,
há uma lágrima pulsante”
Não garanto se essa história
é invenção ou verdade.
Só sei que o mandacaru
tem completa identidade
co'a alma do sertanejo
perante à fatalidade.
Ambos enfrentam a morte
de uma forma angustiante.
Por isso o mandacaru
simboliza o retirante
que cai, se arrasta, levanta,
mas prossegue confiante.
Homem e mandacaru
são almas gêmeas na dor
que, da derrota aparente,
emergem com mais vigor,
pois trazem dentro de si
uma lágrima de amor.