CICATRIZ
C I C A T R I Z
eugenio malta
nesta comum cicatriz
jaz nosso encontro sepultado
tua arrogancia invasora
em meu leito despreparado
tua posse treinada agressora
minha carne virgem que nao te quiz
lancastes teu imperio faminto
eu adormecia riqueza em labirinto
eu sou o sertão bravio
contra o ronco do teu mar
tu me lanças um navio
via veia dos meus rios
querendo me surpreender
mas junto a curva da esperança
eu te pego pelo casco
escondo o sol com as árvores
dos meus cabelos verdes
afloro a ponta de pedra n'agua
pra te arranhar e furar
só assim tu me escutas:
a queda da cachoeira
é maior que a onda do mar
eu sou o sertão agreste
contra a bandeira do teu mar
tu me sopras o vento leste
para espantar minha nuvem
mas junto com a tempestade
que eu seguro o teu pé
ergo a serra gigante
contra a força do teu pulmão
prendo no topo a nuvem medrosa
pra te derramar um dilúvio
maior que teu vasto mar
atolo as rodas do teu carro
pra ver na lama do meu barro
o teu jeito de dançar
eu sou o ser tão sertão
que estuda o passo do corpo estranho
que peleja com a intenção
de quem me abre entranhas
que escuta o bater do coração
de quem não ouve meus sons
antes de musicar seus ruidos
eu sou o sertão que ficou lendário
que não conhece o calendário
que marca tempo na lua
que é peito aberto sem tamanho
pra transar humanidade feito filha
e se eu te ponho na armadilha
é que eu te armo a tua arma
e se eu te laço no cipó
é que eu te abraço o teu abraço
e se eu te dou um nó de pesca
é que eu te amarro tua linha
e se eu te solto meus insetos
é que eu te livro tua liberdade
e se eu te estendo minhas léguas
é que eu te cumpro tuas entradas
e se eu te corto num atalho
é que te ceifo o teu machado
e se eu te canso na escalada
é que eu te choro teu suor
e se eu te deixo a pé e mingua
é que eu não vejo outra saída
senão o fim do caminho
porque falar tua lingua
é ficar sem me ouvir
é trocar tu por mim
é o sertão virando mar
é o verso pela rima
é o interior visto de cima
é esquecer o que sou dentro
por tua palavra de fora
é te abrir um largo horizonte
é te inventar a aurora
é te permitir o alcance
para que tu me craves a lança
mastro da tua bandeira
no alvo do meu chão ferido
num tronco meu abatido
ergueres teu simbolo cruzado
marco estranho de quem tem paz ?
nao! meu sangue e’ verdadeiro
contigo nao veio a troca
é ter teu quintal cercado
no meu terreno baldio
nonada na minha fala
é mais que um rasgo na terra
pode ser a boca aberta
num sorriso amargo e doce
meu jeito rude de amar
as visitas que me fizestes
abriu a chaga da nossa historia
que teu mar quiz salgar
repara hoje o prato que te preparo
na mesa de todo dia
o dialeto que nos entendemos
meu fruto alterou teu sabor
meu tempero contaminou teu sangue
sangue salgado do mar conquistado
mar incansavel de ondas chamando vem ca’
buscando alcancar as montanhas onduladas
montanhas de mar coagulado em cicatriz depelada
cicatriz que tenta assim mesmo sarar a dor
dor sofrida no avanco do corte e do cultivo
cultivo do plantio no implante da cidade
cidade apartada no talho do amor e razao