Rio de Contas

Rio de Contas -1

Águas claras , mansa,

Lambendo a areia branca ...

E ela se deixando ir

Preguiçosa, solta,

Escorregando a sonsa...

Entre uma pedra e outra

Um poço mais fundo,

Bom pra mergulhar , boiar

E se deixar levar ...

Sem ir muito longe,

Antes de avistar lá embaixo

Na margem esquerda do rio

O grande pé de jatobá

Água parada, perigosa ,

Nem dava pra ver o fundo !

Lugar bom para pescar

No poço negro e profundo .

Eu passava tanto tempo na água

Que até a peixe cheirava

Observando o rio

E quem por ele transitava.

A canoa ia e voltava

Deslizando na correnteza...

Saco de umbú , alecrim ,

Até cabrito ela carregava !

A lavadeira cantando

Cantiga de roda ...

Roupa no lajedo quarando,

Roupa batida na pedra

E ela cantando :

" Em cima daquela pedra

tem dois pilãozinho de vidro

quando um bate o outro responde,

moreno casa comigo "

Rio de Contas -2

Tempo de seca rio morto

Fazer promessa, procissão ,

Pedra na cabeça , pés no chão...

Reza, simpatia, mandinga

E no esturricado da caatinga

Beber água ,só cavando cacimba.

De uma margem a outra

Só areia e pedra...

Até o poço do jatobá secou,

Nuvem de poeira

Carcaça de boi

Que a seca matou.

Encontrei a lavadeira rezando

No açude quase seco

Água negra de girino.

No olhar distante

Da lavadeira

Cantiga de roda ficou esperando.

Canoa emborcada

Na beira do barranco ...

Esperando a seca acabar

A chuva chegar ,

O rio encher

Pra ela navegar...

Em noite de lua cheia

Rio branco de areia

Vejo uma aparição

Homem de capa preta

Assombração !

Corri feito louca

Asas nos pés e

Na boca o coração .

Tantas histórias ouvi ,

Será mesmo que ví?

Ou foi pura imaginação?

Rio de Contas -3

Choveu a noite toda, um

Barulho ensurdecedor !

De manhãzinha vou olhar,

De uma margem a outra ,

O rio transbordou !

Fico assustada , a força

Da água vai levando tudo :

Toras de madeira,

Vacas e cabras magras

Sem forças para nadar.

Água barrenta ,suja ,

Tem um cheiro fétido no ar.

Agora não tem cacimba

Sem água de beber

Pega a água suja coa

E deixa ferver

Torna a coar e

Deixa esfriar .

E o rio continua subindo ...

Eu fico olhando aquele

Mundaréu de água ...

Minha cabeça chega a girar...

Caiu mais um

Pedaço de barranco

O rio vai levando

Tudo que encontrar,

Cobriu a pedra mais alta

Está chegando no portão

Se não parar de chover

Vamos dormir na

Igreja de São Sebastião !

Já faz um tempo

Que parou de chover

A água baixou,

O rio assentou

A lama continua lá,

Perigo de doença

Mas ninguém ligou,

O cheiro ruim continua no ar !

De volta a areia branca

Que o rio limpou

Águas claras corre mansa...

Descendo por entre as pedras

Formando piscinas naturais

É meu rio de novo

Lambendo meus castelos

Meus sonhos irreais .

Mergulho no Rio de Contas

E o dia nem raiou ...

(Masy)

(Refere-se ao povoado de Porto Alegre-Maracás -Ba

antes da construção da represa que cobriu todo o vilarejo.)