OS DOIS COQUEIROS

Testemunhas seculares

Do outro lado do rio

Rumor das brisas lunares

Nas calmas noites de estio

Foram vigias de feras

Venceram eras e eras

Se tornaram centenários

Os seus bulícios tristonhos

Tinham a doçura dos sonhos

De mil poemas lendários

Com prazeres recebiam

O pequeno rouxinol

Eram os primeiros que viam

A face alegre do sol

Sentiram as mesmas mágoas

Beberam das mesmas águas

Queimados do mesmo pó

Colheram o mesmo sereno

Viveram num só terreno

Nasceram num dia só

Com todo viço aumentaram

As duas plantas vizinhas

Em pouco tempo chegaram

Ao mundo das andorinhas

Neve, chuva e cerração

Frio, sereno e verão

Nada disso os atingiram

Vencedores das idades

Nem as próprias tempestades

Tempo algum lhes aluíram

Nas brisas que perpassavam

Brandas ou mais violentas

Eles os dois conversavam

Numas frases barulhentas

Receberam temporais,

Deslocamentos fatais

Por brusco arrojo dos ventos

Viveram nestes combates

Lutando contra os embates

Da força dos elementos

Assim aqueles coqueiros

Cheios de viço e enganos

Se tornaram dois guerreiros

Foram lutar contra os anos

Um ao outro em homenagem

Nos bafejos da aragem

Estendiam a palha sua

Cada fronde, verde e bela

Conservava uma parcela

Da luz serena da Lua

Suas palhas sussurrantes

Continham graça e beleza

Dois monstruosos gigantes

Criados da Natureza

Desde a fronde às raízes

Todas suas cicatrizes

Foram profundas feridas

Cada marca, uma história

Uma medalha, uma glória

De cem batalhas vencidas

Em certos dias marcados

Choveu torrencialmente

Foram os dois abraçados

Por poderosa corrente

Um rodava, outro pendia

A água se remexia

Numa fúria de dragão

O mais fraco, já vencido,

Num arrojo desmedido

Caiu sem ter salvação

Ficou o outro coqueiro

Em meio à corrente, em pé

Como fosse um guerreiro

Sem esperança e sem fé

Se balançava, tremia

Tombava, depois se erguia

Entre o furor do perigo

E a morrer se dispunha

Como a maior testemunha

Da morte de seu amigo

No horroroso fragor

Já se mostrava pendido

Sentiu faltar-lhe o vigor

Foi ficando esmorecido

A água, em borbotão

Fazia revolução

Da superfície à areia

Caiu no mesmo momento

Ao impulso violento

Dos solavancos da cheia

As grandes vagas caudais

Desciam ligeiramente

Sem ter resistência mais

Se lançou sobre a corrente

O aguaceiro o levou

E junto ao outro o deixou

Por um ligeiro desvio

Ficando os dois encostados

Onde estão sepultados

Do outro lado do rio.

Das plantas foi a mais bela

Que entre a flora viveu

Quem sabe na vida dela

Quantos janeiros venceu ...

Depois murchou e morreu

Ficou dos ramos despida

Para o poente estendida

Sem verdura e sem beleza

Talvez que nessa tristeza

Sinta saudades da vida.

JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA- CANCÃO
Enviado por Leonires Di Olliveira em 27/08/2014
Reeditado em 29/08/2014
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