Olho de poeta
Olho de poeta
E era a minha Recife de noite,
vermelha como ela só!,
vermelha qual labaredas,
dourada como ouro em pó...
E era a minha cidade
das pedras e pés que seguem
monumento brilhando saudades
esta nave de idade longínqua
E era só uma noite
Uma noite como outra qualquer...
No mesmo vento do antigo
Na mesma rima de fé
E era só o Recife,
E eu era só um menino
Eu vi a lua sorrindo
com gosto de sol e sal
E o fogo pulou do poste
cegou a menina faceira
saia rodada, rodava na esquina,
rodava a menina
em meio a poeira!
E era só a cidade,
Brincando de ser menina!
E foram-se as horas
as noras, as primas e auroras
E foi-se meu riso, meu siso
todo meu improviso
e a saia rodada...
E era só a menina sentada no mar
com pernas abertas, entre rios
e as águas que davam calafrios
olhava a jangada, ancorar
E era um ancoradouro...
E era um porto sem peixe
E era uma pesca de sonhos
E era a cidade vermelha!
E veio a lua mais nua
Depois, os meninos de rua
Chegaram as tapiocas
e as moças de caracóis...
E o fogo pulou a corda!
caiu em cheio no rio
sorriu enquanto apagava
brincava de desafio!
Mas era só uma noite
e as horas comiam pipocas
Marocas falavam dos filhos
que nasciam em outras ocas
E morreu mais um poeta!
Traça comeu pergaminho!...
E era Recife queimando
Chamuscando a beira do rio
E foi assim que ocorreu
os batuqueiros em roda
batiam os ocos das portas
na ventania da rua...
Um padre de batina preta
Uma baiana branca a sorrir
Um pai de santo benzendo a loucura
E um monge começa a rir!
Bobo da corte caipira
começa a declamar poesia
mas os passantes só passam
já é quase meio dia!
É meio dia, é meia hora
é corda no pescoço da vida
é a vida que rodopia
Ave de rapina rodeia
Essa cidade que acorda!
Mas era só o Recife
e era só a poeta!
e era fogo nos olhos
que o vento levou, embora.
Márcia Poesia de Sá - 2013