Sussurros
milton moreira



Calado, calado.
Um zumbido provindo meio apagado.

 
Da baldrame escura, cantoria de grilo cauto.
Rangido da porta e a tramela do medo.
Do jenipapo maduro, despencado do alto.
De escorrendo amargo um café logo cedo.

 
Calado, calado.
Mato da beira, um murmúrio alastrado.

 
Da flor de um botãozinho se arregalando.
Fruta carregada, a verga verde do galho.
A friagem do capim, manhã de orvalho.
De João-de-barro indo e vindo cada quando.

 
Calado, calado.
Lamento de urutau enluarado.

 
Do corguinho raso, recorte do barranco.
Bicho nas folhas secas, fuçando no aterro.
Vaca lambendo couro verde do bezerro.
Passo miúdo, irmãzinha roçando o tamanco.

 
Calado, calado.
Um homem no meio do gado.

 
Da pedra de esmerilho, fio do cutelo.
Resvalo de arroz, o grão do cacho.
Raspa da colher de doce no fundo do tacho.
Duma sabiá choca no pé de marmelo.

 
Calado, calado.
Um corisco partindo o céu nublado.

 
De espora batida, disparo do cavalo.
Fome de porco, sal e farelo do cocho.
Abelha de junho, florada do ipê-roxo.
De sol na mamona, arrebento do estalo.

 
Calado, calado.
Um redemoinho e as cinzas do cerrado.

 
Do revoo de borboleta, mijo de vaca.
Massa de mandioca, pingo na vasilha.
De Tonico e Tinoco, radinho de pilha.
Espinho da paineira e cigarra na estaca.

 
Calado, calado.
A goteira tem um ritmo compassado.

 
Vassoura no terreiro e o vento no cisco.
Uma foice na capoeira e o voo do cavaco.
Panela de tampa, um tição de foguinho fraco.
Do gavião de soslaio e de um galo arisco.

 
Calado, calado.
O sossego repercute um receio danado.



 
Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 28/05/2013
Reeditado em 29/05/2013
Código do texto: T4314260
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