Rude

 
O beijo da gente — tão difícil.
Tenteio e meneio
e ternura no fundo dum balaio;
uma mentira de artifício.
Gaveta, baú, um chaveio.
Quem acusa no olhar, um soslaio.
Na mão grossa, um ofício.
Na mudez imperativa, um arrodeio.

 
A relva, mais solta, beija
o sabor na boca de gado.
Beijam  caneca de leite e bandeja,
duas xícaras no armário.
O pio de querer do canário,
o canto viúvo, amuado.

 
Choro do menino pés no chão
beija o talho: caco de vidro,
o ardor, o sangue, um curativo
de fumo quente e fedegoso.
Bicada de sanhaço no mamão,
relincho de cavalo redomão,
babugem de marruco furioso.

 
Coice de mula, tombo do galho.
Febre, lombriga e dor de dente
beijam uma noite de pano quente,
erva-santa-maria, dente de alho.

 
Beijo impérvio, coração brabo.
Pedra rasgando água, rio corrente:
alma dura, armadura que emudece.
Miado azedo de pisão no rabo,
lambida de cão onde intumesce:
prazeres tesos e indigentes.
 
A roça põe intricado beijo de gente
como ter de engolir quando sente.
Sem flor, nem aroma, nem graça.
— a vida rude na espessa carcaça.


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Regresso

Qualquer coisa que diz me traz de volta pra casa,
é assim amado....
Desde que seja rude,
que amiúde
diga dessas pedras que rasgam água
em rios de corredeiras ou intrincados beijos
engolidos em armaduras de prazeres tesos,
indigentes e eu aqui por entre seus solavancos
me adianto
e digo: vida de relva de fundo de balaio,
vida verdade sem verniz,
vida que me diz...
- Carinho.



                                   (Arana do Cerrado - Interação)





Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 03/03/2013
Reeditado em 10/03/2013
Código do texto: T4170040
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