Agreste
O tempo tem meio palmo de verbo.
A vida é bem pouco conjugada.
Os dias e os sóis apenas
repetem as noites e as luas
entremeio.
O mundo aberto é meio
dentro do meio do nada.
A gente quase não se move.
A borboleta entorpece na flor.
A cigarra zoa melancólica.
A menina perambula dorminhoca.
O sonho acorda debaixo e bicolor.
A mulher grita no batedouro de roupa.
A mulher dói nas varizes da perna.
A mulher clama no balde da cisterna.
A mulher se olha no vidro do guarda-louça.
O fogo treme a tampa do feijão.
O queijo cura na tábua do fogão.
No sol da porta da cozinha,
a hora espaça subindo sozinha
e o almoço vem na sombra do chão.
Nenhuma nuvem no céu,
e o azul tão belo encabula.
Nem vento bafeja no véu
do berço que dorme o caçula.
O homem molha o orvalho.
O homem monta o cavalo.
O homem amola o machado.
O homem carrega o balaio.
A tarde adocicada, de gema,
benze um copo d´água na novena
e tinge os bichos e as coisas de lida.
Quando domina assim remansa
a noite — ainda tão criança —
traz um breu na garganta
de calar os pratos da janta.
Morcego. Coruja. Curiango.
Vaga-lume, caga-fogo, mariposa.
Estrelas de alumiar comovida
a alma do homem cingido à esposa.
A noite aquieta suas coisas.
Mas repõe um grilo no terreiro,
um galo bruto no poleiro
— numa cantiga de destempero...
Acomodam parcos deleites da vida.
- Poema integrante do livro "Junco do Quintal".
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REBULIÇO
Agreste e Curimataú
seca e berro d'água
pingo de chuva alheia
mãos que carregam a enxada.
Bicho de pé brejeiro
bico de meia pata
pata ciscando o terreiro
boca sem beijo baba.
Cascas descascam o chão
cão sem pão engasga
ferro que fere o irmão
vida que chora e ladra.
Palma que orna o solo
cratera sem lua e vinho
criança que pede colo
caminho sem ser caminho.
Martírio que ao homem assola
dias sem esperança
calo que o pé amola
verde pasto, rara lembrança.
(Interação da poetisa Aglaure Corrêa Martins)