Retirante sonhador (1): Fuga do solo negro
Tão cedo já vai-se embora
O retirante sonhador;
Cego do tempo, cego da hora,
Andando vago, sem resplendor.
Agora deixa a cinza terra
De que um dia já foi tutor,
Deixa sua casa, e nela encerra
Seus sentimentos, seu amor.
Cruza o pasto que se corrói,
E hoje é uma trilha seca;
Sente uma dor que fundo dói:
O que nunca foi, que agora perca.
A natureza foi tão cruel...
Nem seus sonhos principiaram,
Que veio em brilho, veio sem véu
Queimando esperanças que ficaram.
Segue a estrada esse ambulante
Não há mais pássaros que o sigam,
Só ouve o rangido inquietante
Das alpargatas nas rochas em que pisam.
Levanta-se a poeira ao passo
Que lhe venda o horizonte,
Sente-lhe o ar escasso,
E por momentos lhe cai a fronte.
Enquanto anda, observa acima:
A luz radiante e tão austera;
E não há sombra que a reprima
Nem água tanta que o refizera.
É meio-dia em sua partida
E o Sol quer se aproximar,
A noção de calor é esquecida
E a pele insiste em o largar.
Andar torna-se um suplício
E os pés custam a obedecer,
O corpo vira um precipício,
Prestes a esmorecer.
A alma se prorrompe
Mas as lágrimas não saem,
O coração puro se corrompe
E instintos de fera lhe caem.
Mendiga por esquecer
O sofrimento que o carrega,
Mas a esmola a oferecer
É a dor âmaga, e cega.
Só não cai porque é forte,
Um castelo em meio ao nada,
Que conversa com a morte
E doma sua chegada.
Que, mergulhado em privação
Soube aplacar sua fome,
O alimento no coração,
Enquanto a alma, a ela come.
Não é um sabor de alimento,
É a sustância da alma terna,
Seu gosto é de momento,
E sua fome parece eterna.
São sonhos os que o motivam
A rumar a um mundo incerto,
A ver que seus passos lhe sirvam,
Um lar de redenção que esteja perto.
Entretanto fortalezas são destruídas
E logo a natureza já o soterra;
E em suas noites, já perdidas
Agora o apagam sob a lua da serra.