Infância nos quintais livres da Serra
Falando em quintais, entre ramalhete e ramalhoça, recordo-me com saudades da minha infância na roça. Um recanto em que energia elétrica estava distante. Minha rede branca, suave repousar. Eita tempinho bom que foi! Era puro, simples e muito feliz da conta. Vivido nos tempos do fogão à lenha. Da água de cacimba, no pote, e da lamparina também. Nada faltava que não fosse nada. Inocente, ganância eu nem sabia. Nada exigia, porque não era muito o que precisava. Brincava de ciranda em noites enluaradas num areal debaixo de um frondoso Pé de Jabotá, com a infantilidade recatada e apraz do lugar
As cantigas noturnas nas calçadas da Vila. Nos degraus da igrejinha, eram proferidas prosas lindas. Preocupação ausente. Nos dias calorosos, aquecimentos luminosos. Em ocupação campestre, colhia frutas e hortaliças, pois mesmo criança, ajudava meu pai na lavoura. Saber obedecer fazia parte da nossa criação. E ainda cuidava dos canteiros onde mamãe plantava legumes e verduras. O frio neblinoso, de manhã feito companhia, nos rondava. Recordo os banhos, nu feito índio, no riacho, pitoresco e desfrutável.
Com baladeira e bornal, carregava pra mata, a pureza de menino. Inocentes eram as caçadas de passarinhos. A casa de adobe, caiada de cal branco. A vereda conduzia pra Chapada, lugar alto do terreno da Serra. E caminhos rasos, direcionavam-me ao riacho pelo outro lado baixo. Da janela, eu via a estrada e o final dela. Tantas flores. Tinha Cravo, Açucena, Bom dia, Boa noite, Oliveira e Benedita. Outra planta de flor amarela, que não lembro o nome dela, e um pé de Papoula Vermelha. Tendo como das mais bela, uma lindíssima roseira.
Longe de tudo, ainda não havia condições de comprar brinquedos, então, com criatividade, os meus, eu mesmo fazia de plantas, pedaços de madeira entre outros fragmentos da natureza. Aquilo pra mim era lindo feito poesia. Também queria ser músico e inventava instrumentos em latas de óleo, aquela do óleo de caroço de algodão e que tinha a "nega da lata" ou "neguinha do pajeú, de trança". Depois eu ia tocar bateria debaixo das mangueiras. Se divertia com “pés de lata e barbante” ou com "perna de pau”. Gaiola feita de talo de buriti e tinha também pinhão do tronco de goiabeira. Meus carrinhos eram de madeira. Um deles era tido com uma forquilha colocada ao ombro e com um pedaço de pau em cruz para pôr as mãos e poder guiar, com duas rodas ao solo. Do fruto do jatobazeiro, eu adaptava palitos como perninhas e dizia que eram bois. Tímido, sempre tive poucos amigos, mas com muitos irmãos, podia brincar melhor, inclusive com bonecas de pano das minhas irmãs, que juntavam-se comigo. Tinha umas bonecas de plástico que chamávamos de Bebé.
Entre diversos arvoredos o que eu mais admirava eram as folhagens dos pés de manga e caju. Refresco maravilhoso era ficar à sombra dos mangueiras e laranjais. O encanto maior era ouvir o canto dos pássaros na mata perto de casa, e quando pousavam nos galhos dos Jatobás, coqueiros e buritis. A cantilena gorjeada mais bela era do cupido. No terreiro e quintal de casa ou dos vizinhos o show era um sucesso perfeito da natureza.
Entre o verde, surgia uma sinfonia do vento e dos animais no curral. Até o berro do jumento parecia um relógio, pois a gente já sabia mais ou menos, a hora dele. Era uma beleza ter a harmonia sonora do sabiá, pardal, pintassilgo, rouxinol, entre outros. E assim, naquele tempo, e eternizado na memória, localizada na Serra Ibiapaba, a nossa felicidade foi mesmo um patrimônio de tranquilidade que se transformou em nostalgia, pois nas humildes moradas, muro não havia.