A CHUVA

Em cada gota, uma esperança.

Um signo de futuro.

Um alimento líquido de fé.

Depois de meses de seca,

a chuva desaguava generosa,

penetrando nas veias do chão batido,

bombeando energia vital para o solo – que pulsava num orgasmo múltiplo e feérico.

Acima da terra,

casas caiadas desciam um tom na sua pintura frágil,

já desbotada pelo tempo, pela poeira, pelo sol.

Quanto aos moradores...

Ah, esses vivenciavam uma euforia atonal,

Indescritível em seu estilo sertanejo de comemorar.

Velas para São José.

Louvores para Nosso Senhor.

Cânticos para Nossa Senhora.

Lá fora, crianças se banhavam na água purificadora

E, como eram crianças, se atiravam na lama depois

(sem nenhuma culpa judaico-cristã).

A noite posterior à chuva trouxe, junto com a brisa,

harmonias de zabumbas, triângulos, pífanos e sanfonas.

O arrasta pé comemorativo cobriu o terreiro ainda úmido,

fértil, pleno de expectativas, promessas.

Na manhã seguinte, entretanto, “Zé da lida” acordou suado.

Correu pra janela, olhou o horizonte...

Estarrecido, constatou que a chuva tão esperada não passava de um sonho.

Com os nervos há muito abalados pela fome que assistia em casa,

“Zé da lida” não suportou a tristeza.

Desde então, passa os dias na rua, maltrapilho.

Não é um doido agressivo.

Mas vive de assustar a meninada com sons que imitam, certeiros,

o estrondo dos trovões.

Gói

São Paulo, 22/03/2005

Goimar Dantas
Enviado por Goimar Dantas em 16/02/2007
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