CAMPEREADA
NAS NOITES MAIS TRISTES E CLARAS
EM QUE A LUA FAZ CLARÃO PELA VIDRAÇA DA SALA
O SONO ME CHEGA COMO UM PIALO
E A SAUDADE ME DESPERTA NO CANTAR DO GALO
ME SOLTO PORTEIRA AFORA DA IMAGINAÇÃO
DOU DE RÉDEAS AO GALOPE DO CORAÇÃO
E ME VEJO SOBRE OS ARREIOS
ANSIOSO POR VER MEU RANCHO DE PAU-À-PIQUE
À BEIRA DA ESTRADA
E PARECE ATÉ QUE AVISTO DE LONGE
NA PENUMBRA DO AMANHECER A VELHA MORADA
E NA VARANDA MINHA MÃE VELHA SENTADA
NA SUA CADEIRA DE PALHA
A CABEÇA PENDIDA E GRISALHA
O OLHAR PERDIDO NO HORIZONTE
A FRONTE SERENA E CANSADA
APEIO DO PINGO E CHEGO NA CANCELA
DOU UM OH! DE CASA E UMA LÁGRIMA ROLA
ENTÃO O PINGO RELINCHA
E A VELHA LEVANTA A CABEÇA
E SUA INTUIÇÃO DE MÃE SENTE A MINHA PRESENÇA
GRITA O MEU NOME, ME ABRAÇA E CHORA
E O ACONCHEGO DO SEU ABRAÇO
ME PRENDE FEITO UM LAÇO
E ME ESQUEÇO DE IR EMBORA
ÊTA, SAUDADE DANADA!
DAS TRALHAS QUE CARREGO É A MAIS PESADA
ME MACHUCA, ME CUTUCA FEITO ESPORA
NO OUTRO DIA DE MANHÃ BEM CEDO
A BOIADA ME ESPERA
PEGO O MEU BERRANTE, O MEU CAVALO E A SELA
E O MEU CACHORRO CAMPEIRO
JÁ SE APRONTA NO TERREIRO
DOU UM BEIJO NA MINHA MÃE E SAIO TOCANDO O BERRANTE
ENQUANTO O SOL SE ESPICHA POR DETRÁS DOS MONTES
PARTO PARA MAIS UM DIA DE CAMPEREADA
E SÓ VOLTO PRO RANCHO NO FIM DA JORNADA
E QUANDO O SOL SE PÕE POR DETRÁS DA MATA
PEGO O MEU VIOLÃO E FAÇO SERENATA
E NO RANCHINHO MODESTO E CHEIO DE FRESTAS
A LUA SE DELEITA E FAZ FESTA
E VEM SE DEITAR NO ACONCHEGO
DO MEU CORPO ADORMECIDO SOBRE O PELEGO
MAS ACORDO NUM SUSTO NO SOFÁ DA SALA
RECOBRO OS SENTIDOS E OLHO PELA JANELA
A LUA JÁ SE FOI EMBORA
VEJO A CIDADE DESPERTANDO LÁ FORA
ENTÃO CHORO DE EMOÇÃO PORQUE EM SONHO REVI
OS MEUS TEMPOS DE GURI
AS COISAS QUE NÃO VOLTAM MAIS
MEU RANCHO À BEIRA DA ESTRADA
MINHA MÃE E A BOIADA
E TUDO O QUE DEIXEI PARA TRÁS.