OSSÁRIO DOS AVÓS
(Em homenagem a quem já partiu)
Gente buenacha, pachola
que se arranchou na Capital
cismas do meio rural
repinicando fadários
tecendo imaginários
e perscrutando raízes
sudários e cicatrizes
nos destinos temerários
Nunca mais a voz dos ventos
nem o verde da lhanura
a doma, o gole da pura
na faina bruta da esquila
a tropeada, a alma que atila
o poente na recorrida
extravasando na lida
os perfis do gado em fila
Eram compotas de doces
o queijo, a butifarra
o leite a esguichar na tarra
a linguiça no tapume
o pão, livre de batume
emergindo do fogão
mate e prosa no galpão
e a milonga prum queixume
Às vezes, tinha fandango
no rancho de chão batido
e era um um som repetido
de gaita, alarido, espora
e a vida nessa hora
era toda euforia
num mundo que se pedia
que nunca se fosse embora
Era herança dos deuses
no panteão da querência
era a própria descendência
de firme ancestralidade
era o campo, a verdade
no olhar daquela gente
era a aurora, não o poente
no arrabalde da cidade
E hoje o nada, o vazio
ponteando os campos do olvido
todo um mundo perdido
pelos desvãos da memória
o tempo, com a manta inglória
vai cobrindo ao trote lento
relegando ao esquecimento
o chiste antigo da história
Quebrou-se o comum encanto
perdeu-se a identidade
a lápide na frialdade
da escassa vinda dos vivos
foi ficando sem motivos
de ali permanecer
se já há custo em viver
morrer também tem passivos
Um dia, um pequeno aviso
- entrelinhas de um jornal -
dá ciência na Capital
do prazo pra algum herdeiro
providenciar no dinheiro
da tal da manutenção
pra evitar a remoção
da ossada de um campeiro
E, assim, se leva o extinto
rumo ao ossário comum
tratado de qualquer um
sem alma que o constitua
ate na morte, essa pua
não lhe dá trégua ou quartel
um taura jogado ao léu
pior que cusco de rua
Tantos queras desovados
acolherados nos ossários
já foram os donatários
da história deste chão
sentinelas do rincão
e praças dos "entreveros"
índios, “gauchos”, estradeiros
em promíscua comunhão
E agora isso, o silêncio
pairando sobre as lembranças
nenhuma vista alcança
a sina dos que não são
nem mesmo a extrema-unção
deu-lhes rumo na jornada
quando rumbearam na estrada
e se alçaram do rincão
Não há reza, não há pranto
nenhum preito ou ritual
no descampado espiritual
a longa noite se faz
até o tempo se desfaz
nesse relógio sem pejo
onde andará o desejo
de só descansar em paz?
(Em homenagem a quem já partiu)
Gente buenacha, pachola
que se arranchou na Capital
cismas do meio rural
repinicando fadários
tecendo imaginários
e perscrutando raízes
sudários e cicatrizes
nos destinos temerários
Nunca mais a voz dos ventos
nem o verde da lhanura
a doma, o gole da pura
na faina bruta da esquila
a tropeada, a alma que atila
o poente na recorrida
extravasando na lida
os perfis do gado em fila
Eram compotas de doces
o queijo, a butifarra
o leite a esguichar na tarra
a linguiça no tapume
o pão, livre de batume
emergindo do fogão
mate e prosa no galpão
e a milonga prum queixume
Às vezes, tinha fandango
no rancho de chão batido
e era um um som repetido
de gaita, alarido, espora
e a vida nessa hora
era toda euforia
num mundo que se pedia
que nunca se fosse embora
Era herança dos deuses
no panteão da querência
era a própria descendência
de firme ancestralidade
era o campo, a verdade
no olhar daquela gente
era a aurora, não o poente
no arrabalde da cidade
E hoje o nada, o vazio
ponteando os campos do olvido
todo um mundo perdido
pelos desvãos da memória
o tempo, com a manta inglória
vai cobrindo ao trote lento
relegando ao esquecimento
o chiste antigo da história
Quebrou-se o comum encanto
perdeu-se a identidade
a lápide na frialdade
da escassa vinda dos vivos
foi ficando sem motivos
de ali permanecer
se já há custo em viver
morrer também tem passivos
Um dia, um pequeno aviso
- entrelinhas de um jornal -
dá ciência na Capital
do prazo pra algum herdeiro
providenciar no dinheiro
da tal da manutenção
pra evitar a remoção
da ossada de um campeiro
E, assim, se leva o extinto
rumo ao ossário comum
tratado de qualquer um
sem alma que o constitua
ate na morte, essa pua
não lhe dá trégua ou quartel
um taura jogado ao léu
pior que cusco de rua
Tantos queras desovados
acolherados nos ossários
já foram os donatários
da história deste chão
sentinelas do rincão
e praças dos "entreveros"
índios, “gauchos”, estradeiros
em promíscua comunhão
E agora isso, o silêncio
pairando sobre as lembranças
nenhuma vista alcança
a sina dos que não são
nem mesmo a extrema-unção
deu-lhes rumo na jornada
quando rumbearam na estrada
e se alçaram do rincão
Não há reza, não há pranto
nenhum preito ou ritual
no descampado espiritual
a longa noite se faz
até o tempo se desfaz
nesse relógio sem pejo
onde andará o desejo
de só descansar em paz?