Quando um cusco late no mato...

Quando um cusco late no mato

Nem sempre é preá ou gato...

Eriçado que nem espinho de barranca,

Como dizia o velho matuto,

Jaguara ladino, de pelo curto,

É mais arteiro que lambari de sanga.

Campeei pelo rancho o tordilho,

Que pra mim era mais que um filho,

Pois a algazarra ‘tava medonha.

Tinha precisão de galopar ao pé do mato

Onde pra mim era mais que fato

De que a peleja ‘tava enfadonha.

Mas o matungo rengueava maleixo

Esterqueando o campo à sombra do freixo.

Esvaía-se em estrume, o pobre urucungo.

Guinchou cá no campo, uma bufa soltando,

Fedorenta como zorrilho toreando.

Com o cusco berrando, tratei o matungo.

Continuava latindo, meu guaipeca tigrado

Tão macho que corria ladeado

Ganindo e fugindo da sentinela do campo

A cada mateada, quando o sol nascia.

Entrementes, importância pouca fazia:

Sem matungo, me fui pelo pasto praguejando.

Fui-me aprochegando do riacho

Onde latia meu cusco guacho.

Com cautela, pexeira na mão,

Avistei o guaipé de pelo erguido

Que, mais macho ficou por eu ter aparecido,

Quis avançar contra dois viventes no chão.

Ralhei com o jaguara, que na hora silenciou

E a cola de pelo ralo num lampejo ele deitou.

Guardei a pexeira, pois não havia de ser nada.

A dupla gemia que nem chinoca em pranto

Quando perde o lencito bordado pelo campo

Logo después de uma invernada.

Pra meu espanto, gaúcho quera e tradicional,

vi dois índios esgualepados, com pilcha espacial.

Cada qual tinha um olho pintado de carvão

E o outro olho na moita, por baixo das melenas.

Tinham os beiços da cor de jabuticabas morenas

E as unhas pintadas das mãos.

Esfreguei o bigode e indaguei os viventes,

Que ao me ver ficaram mui contentes.

Disse-lhes: “Mas tchê, ustedes são filhos do demo?”

Espraiaram-se pelo barro e ajeitaram as madeixas

E sem grandes delongas ou queixas,

Choramingaram: “não, tio... somos emo”...

Mas de que tribo eram esses guris:

Pampeanos, kaingangs ou guaranis?

Índios guerreiros, pensei comigo,

Com as caras pintadas e argolas de ferro.

Estranho... se assustavam com qualquer berro,

tremiam os pregos nas mamicas e nos umbigos.

Preocupado com o matungo, ainda rengo no prado,

Mostrei aos índios que a saída era ao lado.

Ficaram faceiros e choraram abraçados

Ao que estranhei bastante, uma barbaridade!

Logo vi que eram do tipo estranho da cidade

Que no campo ficam com os rêgos assados.

Já se iam os dois, por sobre o barranco

E eu, com o cusco, cuidando pelo flanco.

Pra meu espanto, me derrubaram dos cilhos:

De mãos dadas, trocavam os beiços, os franzinos.

E aquela visão me embrulhou os intestinos:

Aticei meu guaipeca no rastro dos índios.

Quando um cusco late no mato

Nem sempre é preá ou gato...

Eriçado que nem espinho de barranca,

Como dizia o velho matuto,

Jaguara ladino, de pelo curto,

É mais arteiro que lambari de sanga.

(Ao meu amado Rio Grande do Sul)

Lucas Ghisolfi
Enviado por Lucas Ghisolfi em 22/12/2011
Reeditado em 14/01/2014
Código do texto: T3401982
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