Assucedido da fronteira

A gaita soluçava larga

Num rasguido bem marcado

Sob o delantal colorado

Costume veio do Tio Braga.

As chinocas menos levadas

Se oitavavam pelos cantos.

Tinha o Romualdo, Índio Vicho

E outros tantos

Se arrastando no cambicho,

Naquele tranquito fronteiriço

De arrebentar maneia enforquilhada

(Dessas atadas em nó de quebranto).

Tudo ia bem nos conformes

Até que assim, meio que do nada

Brotou milico na porta do buchincho

Co’as garrucha em punho

Atrás de um capincho;

E o sargento machaço atirando pra cima

De à cavalo fechava a rima

Numa lobuna azulegada.

(O trabuco do sargento

Embuchado de munição

Era um trinta pacholento

De arrepiar assombração).

Apartou pra fora os cabos

E até o delegado que entrara primeiro.

Gritou pro povo (c’o trintra pronto):

Sei que este caco tonto

Se tapa de bochincheiro

Faz contrabando pelo Uruguay

Ladrão de charque e terneiro...

Nisso um tropeu atarantado

Atorou o discurso do sargento:

O índio pacholento

Só de à cabresto num mouro

Empunhando uma adaga de cabo lonqueado

Sangrou de um golpe o milico touro

Que caiu da azulega d’estouro

Com o trinta e o lenço no sangue enredados.

Com essa investida a milicada

Que tava de garrucha em punho

Fugiram atorando o rastro

Deixando o delegado pra testemunho.

E o chucro índio terrunho

Entrou c’o mouro numa picada

Com o delegado de arrasto

Num douradilho malacara.

Bandeados no carreirão nojento

Adentrando a picada

O mouro, o malacara,

O quera loco, o delegado,

Que o primeiro vinha a perigo

Levando bala nas consciência

Com o destino na mira do outro

E os tirões em pelo por ciência.

Sentiu fundo que era o fim

Quando chegou num perau fechado

Vinha encostando o delgado

E ele se preparando pra bala,

Ouviu de clarim um zunido

Dum golpe de coronhada

E viu um moreno acriollado

Com um três-oitão à meia-espalda.

O milico véio caído tonto

Com um fio de sangue correndo da nuca

Sentindo a ânsia que cutuca

O vivente que beira a morte

Ouviu o barulho de pronto

Do 38 engatilhado

E sentiu o chumbo estafado

Que lhe atravessou o corpo de corte.

E o índio do contrabando

Sem achar o por que da defesa

Pediu ao moreno com distreza

A causa do salvamento

E este se desarmando

Falou que era como o vento

Extraviado qual um lamento

E aos que precisavam, levava a mão.

Como se nada tivesse passado

Voltaram os dois ao buchincho

Ouvindo o lamentoso relincho

Dos pingos da milicada

Levando a cabresto o do delegado,

Com o cacho atado o do sargento

Num bolear de perna pacholento

Gracejando com as asas do pala.

Finaram aquela noite

A percanta, baile, truco e canha.

O sol raiou, se largaram pra campanha

Tinindo pua, brandindo açoite

Levando na mala recuerdos e porfias

Primeira de tantas destes dois hermanos

Mais as outras peleias destes paysanos

Se quiserem, les conto outro dia!

*Dedico estes versos ao patrão do meu CTG, Luiz Marcos Cruz

(Dr. Marquinhos), por ser o maior contador de causo que conheço.*

Danielle Lorenzi
Enviado por Danielle Lorenzi em 26/10/2010
Reeditado em 22/08/2011
Código do texto: T2579879
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