Epitáfio para um rio
Eu era um rio largo, manso, sisudo
Em minhas águas nadavam em paz
piaus, piabinhas e surubins.
E faziam uma festança
na corrida da piracema,
no início das águas
Minhas águas profundas,
serviam de caminho seguro
da barca Iemanjá
que navegava serena
trazendo alegria
e levando as riquezas
em plumas de algodão
e sacas de milho
Nas tardes fagueiras
meninos nadavam aos magotes
e de cima da ponte davam pinotes,
sem medo de nada, mangando dos velhos
que, à luz do poente, davam palpites
com ares de sábios.
Eu era feliz e não sabia
ouvindo dos sabiás
da praia, às margens,
o canto encantado
em suave harmonia,
que em setembro chegava
E eu assistia
os peões das areias
os areeiros
a encherem as canoas de areia lavada,
que com prazer eu lhes dava,
para erguer suas casas,
suprir seus barracos
de pão e alegria
Houve um tempo, belo tempo das mulheres
lavadeiras de trouxas de roupas suadas
de lençóis maculados das casas dos ricos
lavados em minhas águas
sem pedir nada em troca.
Eu era um feliz doando minha vida
ao ver esta cidade crescer,
prevendo um porvir florescente
com apenas uma condição:
Que eu continuasse a viver,
sendo apenas o Rio Grande
que nasceu a milênios no espigão da Serra
no coração dos platôs do Oeste da Bahia.
Eu era feliz e não sabia,
até a chegada dos homens,
com seus sangessugas pivôs,
centrais de riquezas próprias,
e com suas PCHs e barragens
que sugam minhas águas,
reduzem a pó meu leito
e ferem de morte
os meus mananciais.
Eu era um rio volumoso, cristalino
que doava minhas águas,
tão limpas, tão puras
como remédio de cura
aos males do povo.
E em troca recebia
dejetos humanos,
esgotos fedorentos
e lixo aos milhares
de quilos por ano
E como último desejo
de quem já sente a hora chegar,
esvaído e exangue em meu leito de morte,
neste canto inglório, como último pedido,
quero um epitáfio nas curvas da ponte:
“Este foi um rio, grande e calmoso
que amou prover a vida,
porém a insanidade humana,
de sede, o matou.”