Trechos não revelados por Shakespeare em Hamlet

Paisagens. Tão verdes que olhar descansa contemplativo

E os rebanhos: bois, cabras e ovelhas tranqüilos moem

A alvoradas das madrugadas deste meu sertão seco e irrequieto

Hoje rico e viçoso banhado pelas chuvas de abril e maio

Elevações desenhadas por um cuidado arquiteto, tantas formas

Pedras elegantes revelando mistérios de uma pré-história

Metamorfoseando dilúvios e argamassas, fósseis arquivados

Trechos não revelados por Shakespeare em Hamlet, coincidências

No meio termo entre deserto estéril e paraíso moderno

Qual rapadura e farinha lambendo as mirradas mãos dos sertanejos

Olhos fundos pelo dias ao meio dia nos roçados

Questionando se mandioca, se algodão, se jerimum, se fome

Como o poeta de Vidas Secas ao expressar a fartura da miséria

E o momento que chamo de agora me parece triste e distante

Aqui neste ideal sem sentido próximo a um fim feliz

Vejo ombros cansados ao peso das enxadas

Ébrios pelas portas e esquinas da cidade, sem compreender

Ilusões desfiguradas pelos duros patrões, nem um litro de leite

Amar a vida é fácil desde que ela seja amada pela natureza

Chuvas que não vêm, como amante a esperar na praça deserta

Parcas criaturas que merecem um novo amanhecer: diferente

Nem governos nem cangaceiros saciariam a fome desta gente

Nem Padre Ciço nem Lampião dariam um pouco de luz a esta gente

Povo que é bom, alegre e trabalhador, povo que diz bom-dia

Cantando o hino nacional em setembro, soltando foguetões

Que anda de bicicletas e cavalos, carroças e mulas

Meigo, gentil, fraterno, belo e humilhado

Gente que constrói uma nação forte e grandiosa, que é Brasil

Nunca uma nação desprezou tanto uma parte viva sua

Digo isto porque aqui estou, vendo-os descer dos caminhões

Em busca de um pouco, somente para a morte não chegar

E o fim sempre chega, belo, pois é grande o final de uma tragédia

Um drama que irá acabar

Memoráveis notícias que longe nos roçados irão

Deus amou-lhes muito!