HISTÓRIAS DESSE MUNDO VELHO SEM PORTEIRA: 2- O SAPATEIRO

Meus olhos acompanham

o vaivém do martelo

nas mãos hábeis de meu pai.

Era noite de serão!

Pra mim estranha magia

o ritual do artesão.

Noite de inverno talvez

e que rara felicidade

poder sentar junto dele

nessa estranha intimidade,

observar seus mínimos gestos

um arquear de sobrancelhas

um rápido olhar de esguelha

pois o tempo anda depressa

é pra amanhã essa remessa

de calçados tão suados.

E o homem que tão habilmente

lhes dá forma, deixa neles,

a marca profunda das mãos

a marca profunda da alma

em sonhos feita paixão.

Ah meus dias de aconchego,

entre aquelas enormes paredes

de dia tanto barulho

mas à noite tudo era calma

silenciosas as lixadeiras

balancinhos e cavaletes.

Dormiam taciturnas

as máquinas de costura.

E então reinava sozinho

senhor de estranho castelo

meu pai na brandura da noite

meu pai batendo martelo...

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 07/06/2006
Reeditado em 03/03/2009
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