HISTÓRIAS DESSE MUNDO VELHO SEM PORTEIRA: 2- O SAPATEIRO
Meus olhos acompanham
o vaivém do martelo
nas mãos hábeis de meu pai.
Era noite de serão!
Pra mim estranha magia
o ritual do artesão.
Noite de inverno talvez
e que rara felicidade
poder sentar junto dele
nessa estranha intimidade,
observar seus mínimos gestos
um arquear de sobrancelhas
um rápido olhar de esguelha
pois o tempo anda depressa
é pra amanhã essa remessa
de calçados tão suados.
E o homem que tão habilmente
lhes dá forma, deixa neles,
a marca profunda das mãos
a marca profunda da alma
em sonhos feita paixão.
Ah meus dias de aconchego,
entre aquelas enormes paredes
de dia tanto barulho
mas à noite tudo era calma
silenciosas as lixadeiras
balancinhos e cavaletes.
Dormiam taciturnas
as máquinas de costura.
E então reinava sozinho
senhor de estranho castelo
meu pai na brandura da noite
meu pai batendo martelo...