PELEJA DE GERALDO LUNA COM ISMAEL GAIÃO

Em 1991 eu quase perdia o Congresso de Cantadores do Recife, pois perdi o ingresso e só percebi na hora de entrar. Quando eu lá estava o poeta-cantador Ivanildo Vila Nova fez um sorteio e pediu para alguém dizer os nomes de três mulheres repentistas. Eu sabia de cor e respondi: “Santinha Maurício, Minervina e Mocinha de Passira”.

Ganhei um livro de poesias do grande poeta-declamador Chico Pedrosa. Emprestei o dito cujo, a um amigo e como “quem empresta nem pra si presta” perdi o livro e o amigo, pois não lembro a quem o emprestei.

Sabendo disso o meu amigo e colega de trabalho na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Geraldo Luna, fez a seguinte poesia:

DEI UM INGRESSO A GAIÃO

MAS ELE DEIXOU EM CASA

Gaião é lá de Condado

Trabalha lá na Rural

Ele estava numa mal

Sem nenhum tostão furado

Mas por mim foi procurado

Para ver como ele estava

Somente se lamentava

Disse: não tenho um tostão

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

O Congresso anterior

Diz ele que viu todinho

Pois tinha um dinheirinho

E que até lhe sobrou

Mas neste nada restou

Gastou todinho em “casa”

E a Walkíria reclamava

Braba que só um leão

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

Começou na quinta-feira

Mas ele nem tava aí

Foi quando eu apareci

E lhe informei de primeira

Durante a manhã inteira

Dos meninos ele cuidava

Um corria, outro chorava

Numa eterna confusão

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

Já no último dia eu

Fui chegando atrasado

O Gaião tava assustado

Com o desacerto seu

O que foi que aconteceu?

Eu ligeiro perguntava

E ele me afirmava

Não trouxe o ingresso não

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

No decorrer do Congresso

Teve brinde à vontade

O locutor sem maldade

Fazia convite expresso

Gaião queria sucesso

No sorteio logo entrava

E um brinde ele ganhava

Para ter compensação

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

A Walkíria me contou

E eu só fiz achar graça

Que ele não tomou cachaça

Mas de ressaca ficou

É que um táxi tomou

Se não na rua ficava

E em casa inda apanhava

Feito menino chorão

Dei um ingresso a Gaião

Mas ele deixou em “casa”

Geraldo Gomes Luna - Recife, 03 de dezembro de l991

Percebendo que Geraldo usou um verso de “pé quebrado”, eu escrevi uma poesia, com um “mote” de uma perna só, que se chama: “Casa não rima com ava”.

Um fato que chamou a atenção nesse VI Congresso de Cantadores do Recife foi a desclassificação do grande poeta-repentista, Oliveira de Panelas, nas eliminatórias. Como todo bom cantador ele tem seus fãs, e esses não gostaram de vê-lo ficar fora da final, até porque não havia motivo para isso, pois foi bom o seu desempenho nas disputas. Houve muita reclamação, mas a decisão do jurado era soberana e a gente só teve que respeitar.

Aproveitando a rima errada que Geraldo usou ao escrever sua poesia não perdi tempo e respondi:

CASA NÃO RIMA COM AVA

Geraldo muito obrigado

Pela sua poesia

Pois me dá muita alegria

Ver o caso retratado

É pena ter se enganado

Porque não observava

Que na hora que rimava

A rima estava mal feita

Pois pra ser rima perfeita

Casa não rima com ava

Também quero agradecer

Pelo ingresso que me deu

Pois com este gesto seu

O Congresso eu pude ver

Porém tive um desprazer

Porque quando lá estava

Vi que no bolso faltava

O tão falado ingresso

Mas veja noutro Congresso

Casa não rima com ava

Só tinha bons repentistas

Por isso foi um sucesso

Quem não foi nesse congresso

Deixou de ver bons artistas

Também ouvi entrevistas

Onde o povo reclamava

Porque Oliveira estava

Sendo desclassificado

E você fique lembrado

Casa não rima com ava

O que eu observei

É que você não falou

Que na rua me deixou

Somente porque parei

Pois um amigo encontrei

E enquanto eu conversava

Você se distanciava

Me deixando no lugar

Mas trate de observar

Casa não rima com ava

Recife, dezembro de 1991

Para não perder a Peleja, Geraldo me respondeu, com uma décima, usando o mote: “Eu acato sua observação, mas você não é membro do jurado”:

EU ACATO SUA OBSERVAÇÃO

MAS VOCÊ NÃO É MEMBRO DO JURADO

Você deu uma resposta inteligente

Para um verso errado que eu fiz

O seu gesto me deixou muito feliz

Porque foi um protesto consciente

Ampliou a amizade da gente

E agora vou rimar com mais cuidado

Para o verso não sair de pé-quebrado

Noutra vez eu vou ter mais atenção

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

Certo dia nós fizemos um cordel

Para ver se Jarbas era eleito

E só o verso que estava perfeito

Era que a gente passava pro papel

Não se rimou a tinta com pincel

Nem Joaquim pode ser elogiado

Porque ele é descaracterizado

Mesmo assim ele ganhou a eleição

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

Se a casa não rima com ava

É porque o produto é muito raro

O que tem é menino sem amparo

Se tivesse uma casa ele morava

E você de mim não reclamava

Ia ter um olhar mais apurado

Para ver o que de fato estava errado

E morrer buscando a solução

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

A poesia é uma arte muito antiga

E os poetas têm plena liberdade

Para ser um poeta de verdade

Não precisa fazer nenhuma intriga

Só precisa de uma mão amiga

Que perdoe de fato seu pecado

E você foi um cabra educado

Quando fez a sua reclamação

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

Já cantei em vários festivais

Nunca fiz nenhuma só besteira

Com o Jó, com o Louro e Zé Limeira

O que diabo é que me falta fazer mais

Fui gravado em diversos canais

Pelo povo eu fui bem aclamado

Só você vem dizer que estou errado

E não critica o chefe da nação

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

Eu termino outra vez agradecendo

Mas deixando bem claro o meu protesto

Seguir regra formulada eu detesto

Nem que chova canivete não aprendo

Quando eu uso novo estilo tô fazendo

Um desprezo ao estilo caducado

Pois não gosto de voltar sempre ao passado

Gosto mesmo é de fazer renovação

Eu acato sua observação

Mas você não é membro do jurado

Geraldo Gomes Luna

Tréplica ao amigo Ismael Gaião

Recife, 07 de janeiro de 1992