Provisório

baú empoeirado das lembranças

envoltos pela bruma, em fragmentos

correm varas da mangueira do tempo

libertando tropilha de recuerdos.

vêm do fundo do campo dálma

rebentando a corrente dos olhos.

voz rouca, embargada

narrando “cosas”, com calma

muitos , muitos janeiros

embaçados de viver e sofrer.

barba e cabelos de algodão

dando à fisionomia aguda impressão

velhice, ternura, sofrimento .

olhar vestindo, os piás, calados

histórias, causos, lendas

temores, assombrações, bravura.

tempo de chagas abertas

rompem torrentes, como coriscos

retumbam campinas na mente,

ecos do cantar de ferros e aço.

Noventa e três, volta com força

Gumercindo , e sua gente

Carpintaria, Salsinho, Campo Osório

cruentas batalhas, sangue irmão derramado

defendendo ideais, que diziam ser justos.

gritos hediondos, rouba-lhe o sono

trezentos degolados do Rio Negro.

como esquecer o Cabo Duza,

castelhano do peito vermelho.

Nicolau, preto e soldado

de a cavalo, lança à destra..

velho Domingos, mateiro desbravador,

condutor de tropas, nas coxilhas e canhadas.

Vinte e três, uma ferida aberta ...viva

pica-paus, chimangos, rebeldes, maragatos

ombreando lado a lado, voluntários

Passo Fundo a Pedras Altas.

no combate da Conceição

pisou o Barro vermelho da lagoa

mescla do sangue, seiva e fibra

dos bravos que tombaram naquele chão.

Depois veio a Paz? Não.... as esquinas !

miséria, o esquecimento

farda feita em frangalhos

Sem soldo, nem provimento

no exílio dos asilos

árvore frondosa de outrora

peleando com nacos de vida

relegado, doente e só.

uiva o minuano , ouvidos cansados

balançando cruzes de madeira toscas

campa fria, grotões esquecidos.

não mais coxilhas, o corredor deserto

invés de campos, abandono e dor

cavalos de papel, a flutuar no etéreo

clarins mudos, sem toques de avançar

restou a tristeza, nesta cadeira-prisão

fogo morto nos galpões

coberto baixeiro sobre penas mortas

grades, concreto como horizonte

Adeus, Nego Venâncio, cavaleiro de luz

manancial de águas claras

somos parte de ti, meu irmão

despilchados, esquecidos

Pretos.Pobres.Provisórios.Pé-no-chão.

JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES
Enviado por JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES em 19/04/2006
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