Confesso: Assassinei a Amélia
‘Seu’ delegado, vim me entregar...
Ofereço-lhe minhas mãos para a algema!
Tenho um crime pra confessar...
Resolvi quando voltava de Diadema...
Levem-me pra Franco da Rocha
Ou internem-me no Carandiru:
Assassinei a Amélia com minha garrocha
Feita de vara de bambu!
Encerrem-me de vez numa camisa de força,
Ou amarrem-me enfim numa jaula:
Transformei-me numa onça,
Quando percebi que Amélia é maula!
Ela colocava-me vendas constantes
Cobrava-me sem cessar!
Suas exigências, incessantes!
'Ói' só:Avisei que a ia matar!
Amélia não se conformava
Que nasci artista da vida!
Ela sempre me atrapalhava
A seguir por aquela avenida!
Que me levou a conhecer o Bexiga
E as rodas da velha guarda!
Arrumava motivos pra briga,
Vinha até os dentes armada!
Só pensava em lavar, passar e cozinhar!
Em servir como escrava o marido!
Enquanto por ai eu queria cantar...
Por ela, eu é quem tinha morrido!
Ela me dizia não ser sensato o vinho...
E que 'dificir', 'nóis vai', era incorreto!
Que ser prendada era mais 'bonitinho'...
E que devia renunciar meu dialeto!
‘Doutô', eu nasci na terra certa!
Eu me fascino pelas ruas do Centro!
Mas a época não está correta!
Vejo a roda dos boêmios, caio dentro!
Eu nasci pra escrever, pintar e cantar!
Nasci para fazer 'Arte'!
Nem Amélia queria aceitar,
Poesia pra mim está em toda parte!
Foi ela que me impediu ganhar a rua
Fazer carinho no pandeiro da alegria...
Sem meu banho diário de Lua...
A cada longo dia eu morria!
Dentro da bolsa, no fundo escuro ocultada
Guardado por causa do zumzum,
Minha caixa de fósforos abandonada
Saudosa pelo quaiscalingudum!
Pode prender-me 'senhô' delegado!
Eu assumo a minha culpa!
Só deixe-me minha gaita de brilho niquelado,
Pois pra cantar não existe desculpa!
Sim, dei fim na dona Amélia...
Não nasci pra ser tão prendada assim!
Chega de pilotar fogão feito a Ofélia,
Prefiro a boemia vivendo dentro de mim!
São Paulo, 17 de Novembro de 2008.
Homenagem a vanguarda boêmia paulistana