TERRA SECA

(Homenagem ao meu pai: Alexandre P. Araújo (in memorian))

Ah, a terra seca

Ferida de enxada

Responde com dureza

Repetida pancada

Inspirando a reza

Hino de louvor

Pra vencer a guerra

Da fome e da dor!

Joga alto pro céu

Teu resmungo em canto

O destino da lágrima

Não é virar pranto

Refreia no peito

Esse impulso doído

E procura outro jeito

De um novo sentido

Escuta da rolinha

Que o fogo apagou

Que diz que das cinzas

Nasce novo fulgor!

Não se sabe se é frio

Ou de novo calor

Só se sabe que a vida

É teimosa e brotou

Diz pra essa rolinha

"Caldo de feijão"

Do perigo que corre

Cá no nosso sertão

Olha lá pros galhos

Do pé de trapiá

Ele é pé de esperança

Junto do de cajá

Não veja essa terra

Esturricada assim

Pensa só nela prenhe

De verdura sem fim...

Veja lá os besouros

Nas entranhas procuram

Na terra há tesouros

Em cavernas escuras

Não veja os urubus

Agourando tua casa

Vá buscar os tatus

Cavam covas rasas

Ouça os berros lá fora

Da cabra leiteira

Vê Saona que late

Pra caranguejeira

Atina o teu ouvido

Vê se presta atenção

Foi pedra que rolou

Ou foi som de trovão?

Apura esse faro

Vê se vai treinando

É o cheiro da chuva

Que esta aqui reinando?

Olha bem lá pras bandas

Onde fica o Ceará

Será que é relâmpago

Que esta a clarear?

São José ouça as rezas

Cá do nosso sertão...

Outro ano de seca

Não agüenta mais não

...Sem milho, sem arroz.

Sem fava, sem feijão.

Sem galinha, sem ovo.

Sem safra de algodão...

Cadê os nossos bichos

Que tavam no terreiro

Ciscando no lixo

Perto do chiqueiro?

Está morrendo tudo

Nem horta mais tenho

Não vingou nem a cana

Pra moer no engenho!...

Pra fazer rapadura

Que é o doce da gente

Que engana a amargura

E entretece os dentes...

Virgem Maria!

Pareço mendigo!

Valha-me Deus,

Nem ouça o que digo!

É a tua vontade

Tenho que obedecer...

Se tu quer faça sol

Ou então faz chover...

Molhe essa terra santa

Faz inchar a semente

Deixar brotar essa planta

Pra dar de comer pra gente!

Lembra que o cabra daqui

Depende do teu favor.

Mande inverno esse ano

Em nome de Nosso Senhor!

Pode fazer a tua parte

Que vou cuidar da minha

Que da terra faço o trato

Da mandioca a farinha

Molhe os pés de mamona

E também os de pião

Que de um eu faço azeite

E de outro faço sabão

Não esqueça os pés de coco

De araçá, caju e pinha.

Molhe nem que seja um pouco

Pra aquelas bandas vizinhas.

Lá também tem sertanejo

Que é amigo e irmão

Tá debruçado de joelho

Rogando por seu torrão.

Tem também mulher e filho

Tudo magro, sem comer.

Sem um sabugo de milho

Que ponha nos dentes a roer.

E ainda o pensamento

Na cabeça a arrochar

De vender até o jumento

Prá ele poder viajar

Buscar em outras terras

O recurso prá essa fome

Pois a seca é feia guerra

Que não mata, consome!

Tenho medo que me pélo

De sair do meu torrão

Mas não tenho nem farelo

Prá fazer um só pirão

A idéia é um grito

Me dizendo: vai lá...

Mas um medo esquisito

Só me diz pra ficar

Eu atendo o primeiro

Que é forte argumento

Boto a mão no meu peito

Prá abafar o sofrimento

Na cabeça a esperança

Teima em atazanar

Quando penso nas crianças

Na volta, no regressar.

Se chegando por lá

Acho logo um emprego

Vou correndo comprar

Muita comida e brinquedo

Trago um carrinho pro Zeca

Prá Juca chapéu de couro

Dou prá Rita uma boneca

Cabelo de cacho louro

Prá Joana que é mais novinha

Nem sei o que vou trazer

Mas trago qualquer coisinha

Pro outro que vai nascer

Prá patroa trago corte

De fazenda bem bonita!

De cambraia e linho forte

E muito estampado de chita

Adeus sertão, minha terra...

Vou aonde Deus me levar

E se o destino não erra

É certo que vou voltar

Volto forte pro trabalho

Bem disposto prá labuta

Na sina que me agasalho

Sou caboclo bom de luta!

Maria Lúcia – 29/l0/l998.

Marilu Santana
Enviado por Marilu Santana em 27/02/2006
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