RODELAS

Amigo,

vem comigo

a ver minha terra.

Entremos,

aqui é Rodelas:

À frente da Igrejinha inacabada,

em seu nicho postado,

manso e despreocupado,

o velho São João Batista abençoando a gente

desde cedinho ao sol poente,

mansamente,

despreocupadamente.

E o rio descendo...

O rio cantando...

Descendo, cantando e molhando vazantes.

Bem, vindo, meu caro,

aqui é Rodelas.

A terra é modesta,

é pobre e pequena.

Não tem atrações de grande cidade;

é só fealdade,

tristeza,

humildade.

Um povo que é um mimo de pobre e de bom.

O povo que eu amo,

este povo que é meu

de sangue e coração.

Manhãs tão serenas,

que a gente desperta cedinho

somente pra vê-las.

As tardes morenas,

as tardes amenas,

são meigo convite à saudade

de coisas distantes que a gente nem sabe o que sejam.

As tardes morenas

se vão lentamente,

sorrindo pra gente

um riso saudoso

na boca da noite.

As noites desertas,

são meigo convite pra gente dormir.

Aqui é Rodelas,

Domingo é dia da feira.

Domingo, dia de fazer a barba,

de acertar contas e pagar trabalhador.

Domingo, doa de Nosso Senhor:

Descansar...

rezar...

Beber cachaça e dançar.

Aqui é Rodelas.

Novenas alegres,

quando é São João,

que é a festa da terra.

Foguetes subindo...

Fogueiras queimando...

O bumba zabumba...

O sopro do pífano...

Joguinho de rua e baile a valer.

O baile, que bom!

O baile, que bom!

E quando é a quaresma...

Cantando os penitentes

seus cantos pungentes

ao longo das noites

às quartas e sexta,

se põem a penar com as almas penadas.

Aqui é Rodelas.

Há rua de branco,

rua de preto

e rua de caboclo.

Há baile de branco

e baile de preto...

- de preto e caboclo, que em festa andam juntos.

Baile a sanfona

- rancheira e quadrilha...

E gente com fome,

de todas as cores,

gemendo na enxada, segunda até sábado.

Gente tuberculosa,

de todas as cores,

gemendo e morrendo por causa da fome.

Não fosse a vazante, não sei que seria do povo...

Coitado do povo!

Não sei que seria,

não fosse o pouquinho

que espalha nas ilhas o bom São Francisco,

descendo...

Cantando...

E molhando vazantes...

Aqui é Rodelas.

Há vacas de leite pros mais abastados.

Capim de vazante,

garapa de cana...

E batata, que é o pão do caboclo.

Meninos na rua

de dia e de noite,

correndo,

pulando,

gritando

- jogando poeira na cara da gente.

Fiandeiras no engenho,

rendeiras nos bilros,

rendeiras batendo o tear

o dia inteirinho.

Manhã bem cedinho

canoas a pano rumando pras ilhas.

De pote à cabeça,

lá vão aguadeiras caminho do rio.

Pouquinho mais tarde,

cascalhos coalhados de roupas quarando.

Tardinha, as canoas velejam chegando,

ou vogam remeiros se o vento falhou.

De noite, a quietude,

silêncio profundo,

poeira na rua...

Cruzeiro,

cemitério,

assombração.

As almas do outro mundo,

o lobisomem,

o negro-dágua...

Superstições e mais superstições.

Entanto, meu caro, não cisme de entrar:

Há um povo que é um mimo de pobre e de bom;

o povo que eu amo,

este povo que é meu de sangue e coração.

(Do livro Brados do Sertão)