QUEIMADAS

Eis a cidade batizada outrora

por Vila Santo Antônio das Queimadas:

Repara o vale, amigo, vê as queimadas.

Vamos subir, vamos ao alto agora.

Aqui em cima, ao topo da colina,

o Santo Antônio que abençoa a gente,

dos raios da manhã ao sol poente,

habita a sua Igreja pequenina.

Ao lado, é a derradeira moradia,

que nos espera ao cabo da jornada.

Ali, o esposo chora a bem amada

ou o pai ao filho. E gente a ventania.

Lá em baixo, está a cidade tagarela,

onde a morena fresca como o jambo,

quer more no chalé, quer no mocambo,

é perfumosa e pura, é meiga e bela.

Vê o Itapicuru lento descendo?

Se há trovoada sobe – é a inundação.

Já devorou a cidade uma vez; então

reconstruíram-na, mas alto sendo.

Porém se chuva falta é diferente:

O rio morre, e o leito a branca areia

entrega ao calcinante sol. Alheia,

A dor se faz ao coração da gente.

Eis a Queimadas, um sertão abrupto

de sol tisnado, deste sol de fogo,

que escalda tudo indiferente ao rogo

do sertanejo requeimado e bruto.

Eis a Queimadas, a miséria, a fome,

o desespero de um gigante povo.

Sertão simplório! Este é o sertão que louvo,

pois quase morto, ainda não há quem dome.

Sertão sem vida, que o governo esquece

e só relembra quando há eleição.

Sertão sem força e luz, sem água e pão,

sem hospitais, ginásios... Sem a messe

de pompas, de fulgores do Alvorada,

Ou Guanabara, de um Aclamação.

Sertão que foge, busca de roldão,

outras paragens, vida mais folgada.

Eis a Queimadas, um sertão trigueiro,

de areia quente, barro seco e pedra.

Terra onde apenas verdejante medra

mandacaru, quixaba ou juazeiro.

Gleba fecunda mas sem água, incerto

luta o Sertão, desesperado vibra.

Lavra o sisal... por Deus viceja a fibra

no solo adusto do infernal deserto.

Eis a Queimadas, ficos rua a rua

agasalhando da nudez a urbe.

Eis a Queimadas, o Recreio Clube

deleita e anima a mocidade sua.

Eis a Queimadas, quando a chuva pinga,

o lavrador corre apressado ao solo,

fofa-o a enxada, planta no seu colo

milho e feijão, que após morrem a míngua

da chuva que se vai, não reaparece.

Chove depois que a safra está perdida.

e planta-se outra vez, na ingente lida,

na esperança que à força de uma prece

levada a Deus por corações ingênuos,

retorne a chuva e ponha tudo a salvo.

Deus que comanda a vida lá do alvo

e bonançoso céu, dias amenos

mande-te ainda, Pátria de meus filhos.

Mas ah que Deus deu liberdade à terra.

E liberdade é luta. E a luta encerra

o fracasso ou a vitória, pranto ou brilhos.

E fracassaste tu, Sertão, na luta

de encontro à mesquinhez da natureza.

Governo e lei – trancados na dureza

de corações sem fé, ninguém te escuta.

Eis a Queimadas, tabuleiros planos,

verdes, floridos, quando a chuva desce.

Baja o feijão, o milho reverdece,

essa queimadas, não se vê, faz anos.

Eis a Queimadas, um sertão abrupto,

solo fecundo que eu adoro harto.

Quer rico ou pobre, quer faminto ou farto,

quer verde ou seco, cultivado ou bruto!

(Do livro Brados do Sertão)