“Camarada do Nordeste”
Humilde parceiro da terra
Que procura nas fraldas da serra
A terra boa para seu plantio...
Acordando nas madrugadas
Vai cantando pelas estradas
O bravo homem arredio
Seu machado é sua arma de luta
Mais parece uma batuta
Nas mãos do seu regente...
Marcando o compasso nas batidas
Naquelas árvores torcidas
Tombando na sua frente
Terminada a sua derrubada,
Depois as coivaras queimadas
Ele esfrega a terra na mão...
Ao ver que a terra é boa
O caboclo sorri à toa
Calculando a produção
Suor no seu rosto se orvalha,
Do calor do sol que se espalha,
Na clareira por ele aberta...
Olhando seu roçado de pé
Faz seu pedido com muita fé
Para lhe dar uma colheita certa
Para plantar só espera a chuva,
Enquanto não chove, mata a saúva,
Para não cortar a plantação...
Quando a neblina baixa na serra
É sinal de chuva na terra,
E plantar a semente no chão
Prepara sua enxada afiada,
No guatambu bem encabada
No ombro sua espingarda mocha...
Empunha a enxada sua companheira
Abrindo fenda certeira
No peito da terra roxa
Planta a semente com carinho
Começa a falar baixinho
Da roupa nova para as crianças...
Pra mulher um vestido bordado
Pra ele um terno listrado
E trocar o par de alianças
Pensa na festa de Nossa Senhora da Guia,
Levar sua família
E encontrar seus companheiros...
Falar de suas façanhas
Fazer algumas barganhas
De animais de terreiro
Jogar sueca na venda,
Arrematar as oferendas
Na barraca dos festeiros...
Foi até convidado
Prá fazer um batizado
No altar do padroeiro
Sonha em comprar um machado Colin,
Um lampião Aladim,
E uma enxada duas caras...
Também um facão mateiro
Daqueles de limpar trilheiro
Que até cabelo apara
Para o ano vai haver fartura
Moer cana, fazer rapadura,
Pamonha e milho assado,
Abóbora, milho de pipoca
Muita farinha de mandioca
Para comer com melado
Muita galinha no terreiro
Porco gordo no chiqueiro
Carne seca em cima do fogão...
E comprar um rádio de pilha
Para alegrar a família
Ouvindo “Luar do Sertão”
Pagar Dona Vicência
Ela tem muita paciência
De ensinar os meninos a escrever...
A aprender a tabuada
Fazer aquelas contas danadas
Que ele nunca aprendeu a fazer
Assim sonha o herói de mãos grossas
Terminando o plantio da roça
Recolhe para sua morada
E espera que as nuvens apareça
Que a chuva em sua roça desça
Pra ver a terra molhada
Seus olhos procuram no céu
Uma nuvem em forma de véu
Como sinal de certeza...
De nascer sua semente
E cobrir esta terra quente
Com o verde da natureza
A dor no peito vai apertando
Ao ver sua lavoura acabando
E o sol rachando seu chão...
Levanta os olhos e pede clemência
A todos os santos de sua crença
Que atendam sua oração
Vendo aquele braseiro
Queimando o mês inteiro
Na terra e no seu peito...
Ele lamenta indignado
Meu Deus está tudo errado
Me castigar deste jeito
Começa acabar a comida
Que com luta foi conseguida
Com seu trabalho pesado...
E agora vai trabalhar por dia
Nas obras que o Governo cria
Para ajudar os flagelados
Revoltado ele faz sua jura
De deixar a agricultura
E mudar para a cidade...
O bravo homem otimista
Quer mostrar que o nortista
Não quer esta caridade
É só desviar estes rios para cá
Vão ver que tudo dá
Neste seu rico sertão...
Verá o seu nordeste
Com estes cabras da peste
Ser a alavanca da nação
Pra não deixar seu torrão
Chega a sonhar em vão
Um sonho quase miragem...
Luta pela decisão tomada
De bater em retirada
Por culpa desta estiagem
Passa dias, semanas e meses
Esperando chegar a vez
De fazer sua mudança...
Seu plano dói no coração
De deixar o seu sertão
Onde viveu desde criança
Semblante triste, rosto queimado
Chega em casa o homem cansado
Em sua rede vai se deitar...
Não vendo que lá no céu
As nuvens em forma de véu
Estão começando a se juntar
Reza sua Ave-Maria
Pedindo que no outro dia
Esteja mais fria esta caldeira...
Ele crê com muita fé
No cântico do caburé
Virar lama esta poeira
Adormece o valente de chapéu de couro
E acorda com ventos e estouros
E relâmpagos na escuridão...
Sente o cheiro forte de poeira
No telhado aparecem as goteiras
As gotas da salvação
Levantando toda família
Com gritos de alegria
E uma esperança renovada...
Já não sente dor no peito
Devolveram o seu direito
De ficar na sua morada
Ansioso que amanheça o dia
Para completar sua alegria
Que é ver o seu chão molhado...
Encontrar os seus colegas
Aqueles cabras Pai D’éguas
Que lutam do mesmo lado
O cabra respira aliviado
Vendo seu mato lavado
E o verde do juazeiro...
Ele já não tem mais mágoa
Porque Deus mandou a água
Para apagar este braseiro
Começa a fazer seus planos
Para a lavoura deste ano
Plantar tudo novamente...
O nordestino empolgado
Esquece até do passado
Para viver o presente
Só espera a lua nova
Pra plantar a semente na cova
E esperar pacientemente...
Pedir a Deus nas alturas
Para dar uma boa cultura
E alimentar sua gente
Assim vive o nordestino
Este povo que o destino
Só lhe trás ingratidão...
Quando vem sua desgraça
Chegam os homens e te abraça
Mas fica sem solução
Promete pros Cabras da Peste
Que para o ano no nordeste
Não vai repetir esta cena...
Começa a reanimar o povo
Lá vem o aperreio de novo
A seca da gota serena
A vocês povo sofrido
Meus irmãos aguerridos
Que vivem de déu em déu...
Me orgulho de sua coragem
Lhe rendo minha homenagem
Tirando o meu chapéu
Quero ver o povo se juntar,
Norte e sul se misturar
Sem levar água no cantil...
Igualar sua produção
Com todos os estados da nação
Em prol do nosso Brasil.