Bovarismo e roupagens

Ó, Brasil, que nas brumas se espelha

Fantasia de quem foge à dor cruel

Bovarismo que a mente encastela

Inventando de si um falso céu

 

No espelho da pátria, qual rosto vês?

És o que não és, ao fugir da evolução

Seja branco, negro, ou quem tu crês

Fugindo, no nada, noutra reencarnação

 

Ah, quão doce é crer-se europeu!

Rodear-se de ouro que não fulgura

E pensar-se, quem sabe, um herdeu

D’um Império que a alma mistura

 

Mas o real, de aço tão bruto

Não conhece o sonho ou a ilusão

E na fuga, o Brasil astuto

Perde-se em vã imaginação

 

Ser ou não ser? Ah, dilema fatal!

Mas aqui, ó riso, o não ser é o tudo

Pois ser-se outro é norma cabal

Desdém por si mesmo, anseio mudo

 

Na dialética se penamos

De nós mesmos a máscara nos prega

Em sombras tropicais nos encontramos

E a essência, oh! como se esfrega

 

Que seja, pois, eterno o engano

De um país que se sonha alhures

Pois o que resta, nesse arcano

É servir outros, nas vidas futuras

 

Decimar da Silveira Biagini

21 de outubro de 2024