A NAU DA DESILUSÃO
A nau balouça ante o mar encrespado,
O céu, escuro e agourento.
O vento silva açoitando as velas,
Nao se vê estrelas no firmamento.
Rajadas de chuva, dura tempestade,
As velas são só tiras de pano.
O mastrame não tarde a dobrar-se
Ante a tirania do tempo soberano.
A rota é o que menos importa.
O imperativo é não sucumbir
Ante a severa turbulência
Que nos próximos dias há de vir.
E nesse pedaço ínfimo de esperança,
A vista prescruta ávida a ilusão.
Enquanto as imensas ondas nos atinge,
Um átimo de luz e salvação.
O implacável vento segue o açoite,
No costado que resiste bravamente,
No tombadilho sôfrego destino,
De toda desesperançosa gente.
Oh! Deus! Abandonaste teus filhos?
As mãos ensanguentadas se seguram,
Mas logo o olhar não terá brilho.
Pela noite escura segue a nau
Enquanto escorre pelo rosto a ilusão.
De que a tempestade logo acabe
E que chegue enfim a salvação.
Dias e dias e a tormenta
Implacavel não arrefece,
A angústia só aumenta
Enquanto a agonia recrudece.
As ondas nos atinge inclemente
Enquanto a nau resiste
A tanto açoite insistente,
Só a escuridão em volta existe.
A voz quer gritar: não sai o grito,
Ecoa na tormenta o lamento.
Busca-se socorro no infinito
Que atenue tanto sofrimento.
Será dia? Será noite?
As horas passam como eternidade.
Dias! Tantos dias de açoite,
Deus! Insuportável essa atrocidade.
Estende-se a mão aonde a vista alcança,
Buscando frágil luminosidade.
Vã e inútil busca de esperança.
Parece inevitável a eternidade.
Pai, por que abandonaste teus filhos
Nessa agonia desmedida?
A nau escorre entre vagas
Que nos remetem para outra vida.
Será esse o nosso destino?
Açoitados pelo tempo implacável?
Ou veremos outra vez o sol,
Com o fim desse sofrimento interminável?
A nau suporta firme a tormenta.
Acoite implacável e sem fim.
Mas, até quando? Se lamenta:
Até quando, Deus? Virá o fim.
Segue a nau sob a tormenta
Chicoteando as velas impiedosamente.
Sobrepujando as ondas a nau aguenta
A surra da intempérie tão pungente.
No convés os homens extenuados,
Lutam sem cessar, imenso brio.
Mantém-se o ânimo continuado
Sem se importar com a chuva e o vento frio.
O mastrame deveras enfraquecido.
Logo sucumbirá sob o vento.
O costado resiste bravamente
Entregue ao mar ensandecido.
Será dia? Será noite?
Não se sabe ao certo, sem noção do tempo.
O vento continua seu açoite
Assobiando sobre a nau triste lamento.
Cada instante que passa
É um pedaço de mastro que cai.
E de pedaço em pedaço
Lenta a esperança se esvai.
Será que não existe mais a esperança?
Será que não tem fim o sofrimento ?
Entregues ao destino e a tormenta
Esperamos misericórdia e alento.
Enquanto isso a tormenta implacável
Castiga a nau de forma cruel,
Com chuva contínua e incessante
E nuvens carregadas no céu.
Navega-se entregue ao destino.
Não se enxerga um palmo adiante.
O horizonte há dias não se vê.
Somente enormes ondas pela frente.
Onde foram parar os nossos sonhos?
Em seu lugar agora só pesadelos.
Melhor que não tivéssemos sonhado
Aqueles sonhos para agora perdê-los.
E a guarda a quem tanto confiamos,
Ao perceber a tormenta deixou-nos ao léu.
Recolheu-se a reclusa da caserna
Deixando-nos ao destino do céu.
Desaba contínua a tempestade,
O povo da nau luta em sofreguidão,
Tentando evitar a todo custo
Que todo seu esforço seja em vão.
Enquanto lutam bravamente
Elevam preces a Deus:
Por que reservastes estes destino
Aos combalidos filhos teus?
Enquanto suporta firme a tempestade,
Vê-se a nau a cada dia enfraquecida.
Mas a cada hora há esperança
De que não sucumbamos nessa lida.
Seguem os esforços mesmo enfraquecidos,
Na esperança de que acabe essa sofreguidão.
Enquanto a luta for unida
A esperança não será só ilusão.
Há no entanto na penumbra
um facho de luz na escuridão.
Enquanto a tormenta implacável
Transforma tudo que se pensa em vão.
Dia virá, sim: outro dia,
Em que acabará essa agonia.
Por certo haveremos com esperança
Que chegue enfim com um novo dia
O fim dessa agonia infinda
Que nos deixa inertes na berlinda
E que cheguem enfim dias de alegria.