CARCAÇA, O CÃOPEÃO
CARCAÇA, O CÃO CAMPEÃO
(Dux Pellegrino/Gerson Zequim 2012)
Raios solares minguavam por entre as árvores,
A tropa debandou no crepúsculo da tarde.
Uivo insistente e dolorido cortava o silêncio
Despertando a atenção dos homens da guarda
O velho cão de guerra desolado na calçada
Proferindo um discurso sem plateia, sem ouvinte
As minhas patas não mais obedecem
A boca espuma e as vistas escurecem
Progredindo cambaleante avanço
Arrasto minha carcaça em lanços
Cerrando os dentes pra dispersar a dor
Então me prostro na esquina do lavador
Grunhindo com medo morrer na solidão
Lembro que fui fera, fui campeão.
Não esperava que o fim fosse assim
Morrer abandonado e largado no capim
Caído nessa esquina totalmente deserta
A afiada garra da ingratidão me aperta
A memória roda o filme da minha vida
Enquanto insetos dilaceram minha pele ferida
Em dois mil e quatro incorporei por esporte
Ralei no básico, fui cão-boina verde com sorte
Congelei no frio do oratório e aguentei o trote
Dobrei muito quarto de hora até me Foxtrot
O pequenino filhote nunca pediu arrego
Acampando no frio do vale de ossos secos
O vira-lata herdou o melhor de cada raça
Sua disposição gerou a lenda do “carcaça”
Com postura marcial e elegante na formatura
Alguém dizia o “carcaça, aí a parada é dura”
O poderoso latido ainda o cerrado embala
Dois atropelamentos, um ferimento a bala
Três assaltos precisos contra o vespeiro
Quatro rasgos encarnavam a alva couraça
Digladiando no meio da densa fumaça
Em duelo mortal frente ao Luís cacheiro
Longas marchas, patrulhas e pista de rapel
Ignorava o fogo e imune ao veneno da cascavel
Sempre na Ronda, no rancho ou figura no AVOT
O comando do xerife branco no cerrado ecoa
Guará vazou e “bandeirão” deu um pinote
Calango rasteja, tatu caminha, jacu avoa”
De repente dois amigos soldados aparecem
Limpam as formigas das feridas e me aquecem
Envolvem-me em um lençol branco e cheiroso
Então fui transportado para um lugar honroso
Condizente com o fatídico fim de um fuzileiro
Velho, doente, sozinho, é a sina do guerreiro
Chegando a hora derradeira esperei satisfeito
No tapiri da vanguardeira parti sem despeito
Em tímidos soluços bradei “Missão Cumprida”
Com embargados uivos terminou a corrida
E assim terminou uma vida de amor e respeito
É fim do cão de guerra, sua vida, seus feitos.
Em um antigo ritual fúnebre de guerreiro,
Seu corpo inerte foi cremado por inteiro
O espirito assuntou ao céu em meio a fumaça
Carcaça assumiu o comando em outra praça
Recepcionado no paraíso pela tropa angelical
Reuniu e organizou o canino exército celestial
“Homenagem ao Cão vira-lata, auxiliar de instrução dos recrutas e alunos do CFS no 41º BIMtz, Carcaça era imbatível em qualquer situação, sua moral elevada o colocou na galeria dos heróis e o câncer o matou aos oito anos de idade, mas não apagou seu legado”.