AO MEU CHÃO
Qual semente que ali fora lançada
Ao acaso,
Em força bruta, esquecida há tempos
Germino vento em terra rachada,
Árida, sob um sol deveras ofuscado,
Sem o alento dum nobre advento.
À despeito das previsões de liberdade
Todos os climas permanecem algemados.
Desperto atordoada pelas tempestades
Advindas de promessas fátuas
Do tudo que não se cumpriu,
A esvair meu sangue apodrecido
Em seiva gotejante num solo
pátrio de abandono;
Verto lágrimas ácidas,
Descoradas de viço varonil
Às carcaças que jazem de vidas mil!
Do adubo pútrido e fétido
De todos os lixos do solo morto
Extraio o nada vociferado
Pela indiferença reinante,
A que corrompe todos os meios,
A que rouba todos os sentidos da terra,
A que ceifa todas as possibilidades de florada viva.
Broto só em miragens
Dum outono enraizado de ferrugens
dos projetos mal planejados!
Finda a seiva de parcas primaveras passadas
Sucumbo em veios de dor.
Grito pelas “quase-vidas” moribundas do todo
Sem sequer uma folha de verde
a respirar existência útil.
Mas,
De fictícios braços abertos
ao meu inverno perene
Cá do silencioso púlpito
do meu solo degradado
Donde o céu nunca
me é chegado para nos chover húmus,
Verto uma força desconhecida,
algo metafísica!
Para me resfolegar
em oração que ninguém ouve.
De súbito,me acolho nas asas dos céus:
Um Sabiá laranjeira toca meus tocos
Resquícios dos meus braços ceifados
de força viva, pungente.
Meio árvore, meio gente
tento me reanimar.
Vindo ele, quiçá algo indigente,
Pelo milagre duma última primavera quiescente
Silencia –me a dor,
no esplendor do seu canto rouco
Insistente, angustiado igualmente,cansado...
Em timbre de canto majestoso!
Alimento dissonante ao meu infortúnio,
Desígnio de semente abatida em próprio solo
No impossível destino de rebrotar das cinzas...
No rescaldo do tão fustigado chão.
Nota: dedico a figuração poética do meu coração dóido, ao todo tão triste do nosso momento.
E voto sim por ofício: sim, sempre pela vida.