LONGÍNQUO HORIZONTE
“À querida ABSTENÇÃO”
Se vires a Pátria em perigo
Ou alguém caído no caminho,
Quer seja ou não um amigo
Ou mesmo um mero vizinho
Que farás tu, ó cidadão?
Se vires espezinhadas
A bandeira e a língua lusas
E por tramas encapuçadas
A cultura e a arte confusas
Que farás tu, ó cidadão?
Se vires a tua casa a arder
E na angústia ouvires gritar
Como que alguém a sofrer
E a negra fome a passar
Que farás tu, ó cidadão?
Se um pedinte à tua frente
Uma esmola te pedir
Quer esteja são ou doente
Ou a chorar ou a sorrir
Que farás tu, ó cidadão?
Se um especulador galante
Te der a volta à carteira
Ou se algum comerciante
Te engana da vil maneira
Que farás tu, ó cidadão?
Se um economista ferrenho
Te bloqueia num projecto
Ou te engana com engenho
Tanto à vista como discreto,
Que farás tu, ó cidadão?
Se um jurista pretensioso
Numa causa sem sentido
Te lança truque ardiloso
Sem ficares convencido
Que farás tu, ó cidadão?
Se na escola dos teus filhos
Em vez da fiel mensagem
Só encontrares empecilhos
E nunca boa aprendizagem
Que farás tu, ó cidadão?
Se não tiveres segurança
Em tudo o que é património
E por todo o lado a herança
De um país em pandemónio
Que farás tu, ó cidadão?
Se na tua bela aldeia
Ninguém quer colaborar
E nem ao menos uma ideia
Encontrares p´ ra t´ alegrar
Que farás tu, ó cidadão?
Se nem o senhor prior
Do seu hermético pedestal
Não te é modelo melhor
E te atira para o hospital
Que farás tu, ó cidadão?
Se na própria autarquia
Não descobrires um apoio
Mas antes, por fantasia,
Tudo o que lá vês é joio
Que farás tu, ó cidadão?
Se o que vês à tua volta
É tudo menos virtude
E te incentiva à revolta
Pondo em risco a saúde
Que farás tu, ó cidadão?
Se no mundo da política
Descobrires corrupção
E, em lugar da moral prática,
Só topares a encenação
Que farás tu, ó cidadão?
E se o teu País à evidência
Não passa da cepa torta
E a própria independência
Se manifesta quase morta
Que farás tu, ó cidadão?
Se no longínquo horizonte
Da tua dimensão humana
Não vires uma luz que desponte
Nem espírito que te dê gana
Que farás tu, ó cidadão?
Se, enfim, não sentires viva
A chama ancestral da Nação
A aquela esperança colectiva
Que grite bem alto um NÃO
Não te divorcies, ó cidadão.
Vem, e perante tais horrores
Que vislumbras a céu aberto,
Livra-te dos malfeitores
E caminha no trilho certo.
Sê Tu mesmo, ó CIDADÃO!
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA